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Deaf Center Pale Ravine

2005
Type


Os Deaf Center são Erik Skodvin e Otto Totland, dois amigos noruegueses a quem a Type Records (especializada em música moderna experimental) deu a oportunidade de editar o primeiro longa-duração, depois do EP Neon City, de 2004, já na mesma editora. Pale Ravine é um disco hipnótico, composto de paisagens instrumentais, com uma boa percentagem de sentimento lynchiano (“Thread†faz lembrar o tema-título de Twin Peaks) e um ambiente fortemente cinemático, que nos remete para o conceito de banda sonora de um filme nunca realizado. E a ideia até corresponde parcialmente à realidade: o álbum foi inspirado pelo visionamento de velhas bobines de filme em 8 mm, pela “mística†das peças de teatro antigas e dos seus edifícios e pela paisagem norueguesa (cliché nórdico à parte, visto que são eles próprios que o dizem). Na lista aparecem ainda compositores de bandas sonoras como Angelo Badalamenti (não por acaso, o colaborador-fetiche de David Lynch) e Yann Tiersen.

Pale Ravine é feito de colagens, samples e loops, de pedaços de electrónica e de muitas cordas, num universo a meio caminho entre o experimentalismo, a música clássica e a música atmosférica. O ambiente é muitas vezes assustador, sombrio, quase gótico – digamos que ouvir o disco à noite numa mansão abandonada não vai ajudar a aliviar o ambiente. Ainda para mais, o duo juntou sons de discos antigos, caixas registadoras e muitos outros objectos indecifráveis, integrando-os de forma coerente e coesa nas composições – nada parece ser colocado ao acaso.

Entre as doze faixas, destaque para “White Lakeâ€, possivelmente a música mais delicada, com um piano à Michael Nyman, acompanhado de um contrabaixo discreto, que lhe dá uma sonoridade quase jazz. “Thunder Night†tem pompa orquestral, cordas que irrompem assustadoramente e o som do que parecem ser pequenos sinos – seria uma boa banda sonora para um momento de suspense de um qualquer thriller. A curiosa “The Clearing†é baseada num loop de cordas acompanhado de um piano esparso, que se vai gradualmente transformando num registo de quase valsa. “Stone Beacon†traz o único pedaço de vocalizações reconhecível, com samples de um coro clássico a intrometer-se por entre o piano dominante.

Cabe ao ouvinte preencher os espaços vazios que as composições dos Deaf Center deixam à imaginação de cada um - a banda sonora já está construída, basta juntar-lhe as imagens personalizadas. E existirão tantos filmes diferentes quanto pessoas que ouçam Pale Ravine, álbum individualista, no sentido em que apela a uma audição atenta e solitária. Afinal, é possível ver um filme enquanto se conduz, ouvindo este disco no leitor do carro. É preciso é ter atenção para não ficar a sonhar.


João Pedro Barros
joaopedrobarros@bodyspace.net
03/10/2005