Ocasiões há em que uma farsa destinada a um protagonismo secundário passa a servir de brasão aos que a ousaram engendrar. Quando o que devia pertencer à obscuridade activa um contágio entre bocas e plataformas de partilha, a anedota passa a ser um rastilho aceso que não raras vezes detona as fundações da casa-mãe (o nome mais respeitável em equação). Foi isso que se sucedeu com os Blur no dia em que Damon Albarn achou por bem que o colorissem de tons cinzentos e lhe atribuÃssem um aspecto macabro-psicótico. Entretanto (e como se o sucesso dos Gorillaz não fosse suficiente para satisfazer o capricho), Albarn gravou um disco no Mali e sobrecarregou Think Tank com um arsenal de electrónica que os trabalhos da banda não conheciam até ali. Revelaram-se incompatÃveis os riffs de Graham Coxon – desde sempre determinante nos Blur – e a ascendente excentricidade de Damon Albarn, e o primeiro passou a dedicar-se somente aos seus discos a solo. Serve esta recapitulação da badalada ruptura que dividiu os outrora rivais dos Oasis como alerta para os riscos de um projecto como este que une Nate Newton (baixista dos Converge que formaram uma cratera na superfÃcie de 2004 com o avassalador You Fail Me) a três patifes da mesma estirpe em cima da sela Doomriders.
Além do peso que pode ter a militância ao lado dos Converge no avançar de um projecto secundário como este, Nate Newton tem vindo a revelar adicionais demonstrações de arrojo e talento enquanto parte de uns Old Man Gloom que importa conhecer (nem que seja pela forma curiosa como fundem metal e texturas ambient numa mesma soturnidade onde nem a chama do riff clareia o que quer que seja). Nate recorre aqui a um hipismo medonho para aliviar a tensão acumulada ao serviço dos seus projectos mais rigorosos. Como se os Doomriders servissem de balda à matemática obrigatória exercitada em regime Converge / OMG. Por aqui abrem-se alas ao deboche e passam quatro nostálgicos – espicaçados por uma atitude hardcore circa 1984 - a dispor de carta verde para explorarem os fetiches que bem entenderem.
Mediante rédea larga (permitida pela ausência de precedentes na discografia dos Doomriders), a congregação necrófila entende que deve recuperar o molde clássico dos Thin Lizzy e permitir que seja o espectro incontornável dos Iron Maiden a montá-lo (podia ser a mascote Eddie em cima do cavalo negro da capa). Tudo isto sem perder de vista a dinâmica bombeada por um irrepreensÃvel trabalho de produção e tom ameaçador de um baixo tão primata quanto o stoner dos argentinos Los Natas.
O mecanismo que suporta Black Thunder é quase comparável ao de Room riders, aquele programa imbecil em que a MTV convida alguém a avaliar três pessoas diferentes através de uma meticulosa inspecção dos seus respectivos quartos. As peças de roupa suja que os Doomriders deixam espalhadas pelas divisões da masmorra são, de facto, marcas pessoais acumuladas com o tempo. Seja o pragmatismo marrom de um torpedo hardcore como “Fuck This Shit!†ou o carimbo dos Pantera estampado a vermelho-sangue em “The Chaseâ€. Os Doomriders não se acanham das cicatrizes que trazem na pele.
Contudo, este não será certamente o digno sucessor para os excelentes discos lançados pelos Converge e Old Man Gloom durante o ano passado. Adequa-se como apontamento de rodapé na carreira de uma cada vez mais imponente peça nesse xadrez de ébano a que alguém determinou chamar de novo metal. Peça essa que, claro está, não podia deixar de ser o cavalo. E esse movimenta-se em "L". Flanqueia, “come†e vive confortável na sua condição de acessório.