Todos gostarĂamos de pensar que The Mysterious Production of Eggs Ă© o álbum do estreia do senhor nascido em Chicago. Mas de facto nĂŁo Ă©. De 1997 atĂ© 2001 Andrew Bird, com a sua banda, Bowl of Fire, gravou trĂŞs discos para a Rykodisc. E trĂŞs discos que nĂŁo sĂŁo mais nem menos do que trĂŞs viagens distintas na carreira do violinista, instrumento que marca presença constante nas catorze faixas deste novo disco. Uma audição atenta e cuidada permite perceber desde logo que The Mysterious Production of Eggs, o quinto disco de Andrew Bird - pelo meio houve ainda Weather Systems - Ă© um disco que tem tudo para vencer e ser bem sucedido: canções construĂdas com a precisĂŁo que estas merecem, os arranjos ora simples ora complexos mas sempre certeiros, a voz afável de Andrew Bird, o mundo encantado do qual se faz todo este disco. É igualmente fácil perceber, depois de se entender a atenção com que cada canção Ă© traçada, que este disco demorou trĂŞs anos a ser acabado. E com uma olhadela no fantástico artwork da autoria de Jay Ryan atĂ© se pode seguir o disco pelas ilustrações do livro, uma para cada tema.
E dá vontade de olhar para este disco de Andrew Bird como se fosse o seu disco de estreia, porque The Mysterious Production of Eggs é provavelmente o aquele que mais soa como um disco de canções em vez de canções num disco. Enquanto que nos quatro primeiros discos a solo Andrew Bird andou pacificamente e democraticamente à procura de um cenário para as suas canções, aqui parece que o encontrou de vez e, consequentemente, ficou em paz com o mundo. E para isso continua a contar com a ajuda do baterista Kevin O’Donnel e da vocalista Nora O’Connor (dois elementos dos Bowl of Fire, a banda de apoio de Andrew Bird), assim como com a de alguns convidados. O homem pássaro não está, então, sozinho, mas isso não impede que The Mysterious Production of Eggs soe profundamente como um disco respirado e transpirado pelo mesmo. O que parece é que todas estas canções foram compostas em dias especiais. Ou isso, ou a vida de Andrew Bird é um sonho ambulante, como se tudo se viesse juntar à sua voz, à sua guitarra, ao seu violino e ao assobio de ouro – a base para tudo o resto.
A introdução sem nome com que se abre este disco Ă© realmente uma introdução no verdadeiro sentido da palavra, por dispor-se a apresentar o vocalista, o assobiador profissional, o violinista, o condutor dos sonhos e da quimera – e nem os Mercury Rev querem faltar Ă exibição. “Sovay“ Ă© basicamente aquilo que cada um quiser, nĂŁo sĂł por ser uma das melhores faixas do disco mas tambĂ©m pelo tĂtulo se tratar de uma palavra inventada pelo prĂłprio Andrew Bird para a qual nĂŁo adianta o seu real significado. Mas tome-se a liberdade de tradução para sugerir que talvez se trate de um qualquer sentimento provocado pela delicadeza induzida numa qualquer manhĂŁ serena de neblina. “Sovay” Ă© tambĂ©m um dos muitos casos de uma escrita de letras inteligente e perspicaz: “I was getting ready to be a threat/ I was getting set for my accidental suicide/ the kind where no one dies/ no one looks too surprised”. Quando por momentos a serenidade dominante desaparece, temas como “Fake Palindromes” mostram um Andrew Bird menos introspectivo e mais ruidoso. Mas o retrato de Andrew Bird vai-se traçando ao longo de vários capĂtulos: “A Nervous Tic Motion of the Head to the Left”, “Masterfade” (por vezes a fazer lembrar de novo os Mercury Rev e, por outro lado, Beck) e “Skin Is, My” sĂŁo canções merecedoras de atenção especial. É atĂ© provável que nĂŁo seja com intenção, mas “Skin Is, My” recupera quase o exotismo e a sensualidade que Rufus Wainwright havia cravado em “Old Whore's Diet” de Want Two. Inesperadamente ou nĂŁo, atĂ© a voz de Andrew Bird se parece aqui com a de Wainwright, o que serve no mĂnimo para provar a versatilidade do seu cantar e da forma como toca violino. No máximo, “Skin Is, My” pede quase um pezinho de dança.
Mas, tal como todos os grandes discos pop, The Mysterious Production of Eggs nĂŁo Ă© coisa para ser recortada e colada assim como quem reproduz os melhores momentos dos episĂłdios de Seinfeld. Ainda para mais porque lá para perto do fim ainda se pode escutar aquilo que poderia muito bem ser o novo “ParabĂ©ns a Você” dos tempos mais modernos, com um pouquinho mais de beleza. É de todo provável que o disco pop do ano esteja aqui, nas 14 faixas The Mysterious Production of Eggs. É disco para se ouvir num leitor onde a tecla que troca de faixa já esteja avariada por possĂveis audições a discos onde as boas canções estejam semeadas em campos distantes. É disco para servir de banda sonora para a composição do álbum de fotografias das fĂ©rias do Ăşltimo VerĂŁo ou, quem sabe, as fotografias de uma vida. For pop’s sake.