Desde há muito sabemos que a Escandinávia encerra fórmulas eficazes de promoção musical e um savoir-faire orientado para as vendas em catadupa, que no auge da sua competência deu a conhecer fenómenos como os Abba. Por terras nórdicas, nos últimos tempos, tem-se verificado, contudo, uma tendência musical em renovação. A devoção das estações de rádio diminui e emerge um género mais exuberante e complexo, em que os riscos da experimentação podem não cobrir o prejuÃzo da falta de rotação em larga escala, mas fazem deflagrar invariavelmente o entusiasmo da crÃtica. Se já era esse o caso da envolvente delicadeza da sueca Stina Nordenstam, chega-nos, desta feita da vizinha Noruega, a fragilidade das composições de Hanne Hukkelberg. O despontar das criações da jovem norueguesa não surge sem o atrelado das evocações a nomes consagrados. O desfile é longo e passa por alusões a Stina Nordenstam, claro está, Joanna Newson, Kristen Hersh, Lisa Germano ou mesmo Björk e Billie Holiday. E, mais uma vez, a lembrança de Joni Mitchell a pairar no ar; ela que, autoridade na matéria, tem sido pretexto para inúmeros elogios a jovens estreantes. Se é verdade que alguns músicos vivem dessas evocações, não parece ser esse o caso de Hukkelberg.
Detentora de uma formação musical notável, Hanne Hukkelberg cedo envereda por experiências musicais ao serviço da inventividade. Antes de chegar a este Little Things, não deixou de se ver a braços com projectos que vão desde a exploração do rock progressivo, até ao jazz, passando mesmo pelo metal. É, no entanto, no cruzamento da electrónica com a folk de instrumentos clássicos e sonoridades menos comuns, que a norueguesa encontra o seu espaço de originalidade. Influências jazz vêm juntar-se ao ramalhete de explorações musicais e conferir às suas canções matizes harmoniosas e habilmente personalizadas. São razões de sobra para não ficarmos indiferentes a este seu primeiro registo, com a assinatura da editora norueguesa Propeller, mais o selo da visionária Leaf.
A história deste Little Things bem podia ter tido inÃcio nos constantes trajectos percorridos por Hukkelberg de bicicleta pelas ruas de Oslo, na busca atenta de sons que pudessem ser incorporados nas suas composições. De facto, foram inúmeros os pormenores aos quais a norueguesa conferiu um papel primordial no processo de elaboração das suas melodias. Desse leque de detalhes sonoros fazem parte, nomeadamente, o tilintar de vidros, os sons emanados pelas próprias bicicletas ou o som da água, entre vários outros ruÃdos que, longe da comum acepção da palavra, em nada se tornam ofensivos das mucosas auditivas. Será certamente acerca desta busca de impressões sonoras do dia-a-dia que Hanne Hukkelberg se refere em «Searching», faixa de tÃtulo pertinente em que a protagonista sussura: "I was a lonely hunter...". Somos levados a crer que são estes elementos retirados do quotidiano qude justificam a escolha do tÃtulo para o álbum de estreia.
Mas nem só de pequenas coisas vive a música desta intérprete escandinava. Para este disco reuniu participações como as dos Jaga Jazzist, Kaada ou Shining. E, de entre os instrumentos clássicos, é difÃcil passar ao lado da conjugação feliz do clarinete com a guitarra acústica em "Cast Anchor". Do aparato instrumental de Little Things fazem ainda parte o piano, banjos, violinos ou acordeões. As suas palavras ora fazem o elogio à solidão contemplativa, ora celebram a condição estimulante do enamoramento. Trata-se de treze canções em que coexistem um irresistÃvel e inteligente conjunto de opções estéticas e uma componente minimalista desconcertante.
Bem instalada no palanque das revelações a ter em conta no presente ano, a jovem norueguesa dificilmente verá escapar-lhe o reconhecimento pelas suas explorações musicais e artÃsticas. Sendo que, perante uma intérprete feminina de voz melodiosa e potencial alargado, a tendência seria conferir à s vocalizações a atenção máxima, é, no entanto, sobre a sonoridade resgatada a inúmeros recursos que assenta a particularidade das criações de Hukkelberg. A desvantagem desta reunião calculada de sons variadÃssimos pode passar pela opção do cerebral em detrimento do emocional, em que o sublime se sobrepõe ao visceral; mas nada que impeça Hanne Hukkelberg de seguir no encalço da trupe feminina acreditada à qual associam o seu nome.