Quis o destino que, algures nos finais dos anos 90, quatro imigrantes vindos da RĂşssia se conhecessem em Nova Iorque e começassem a fazer jams todos juntos – que aconteciam todas as sextas-feiras e que se prolongavam pela noite dentro - na procura de um sinal qualquer vindo de um local qualquer que os levasse para um outro local qualquer. Diz-se que Ed era o Ăşnico com experiĂŞncia musical (ganha ao tocar com bandas de metal e bandas de casamentos, uma mistura que promete desde logo resultados no mĂnimo interessantes), que Igor – o fundador do selo Psych-o-path onde o disco surge editado - era o mais decadente e dedicado ao free jazz e que escolheu o baixo, que Dmitry era uma espĂ©cie de gĂ©nio doido que gostava dos Ramones e que espancava a sua bateria. Diz-se ainda que Simon fazia solos de guitarra sem fim. Tudo isto parece um conto de fadas, mas o facto Ă© que Ă© verdade. E os restantes pormenores ficam para quem viveu a histĂłria de perto, um conto tĂŁo improvável quanto merecedor de relato.
E tanto Ă© verdade que durante cerca de um ano os Jesus with Me – nome dado ao quarteto nĂŁo sĂł porque sentiam uma espĂ©cie de presença (nas palavras de Edward, “Jesus came when we played today”), mas tambĂ©m porque queriam atingir um espĂrito mais elevado – estiveram envolvidos em alguns concertos locais, inclusive a fazer as primeiras partes de bandas como os Sightings, No Neck Blues Band, Endless Boogie, e os Acid Mothers Temple. E talvez os seus antigos companheiros de concertos sejam precisamente os indicados para explicar o que Ă© que se passa nestas duas longas faixas (“Silence in the Space of Half an Hour” e “And They Sang a New Song”) que compõem o disco homĂłnimo. Expressões como “ruidoso”, “psicadĂ©lico” e “solos intermináveis de guitarra” sĂŁo algumas das expressões que melhor descrevem o caos que os Jesus With Me aqui instalam. Um caos consumado atravĂ©s de uma densa massa sonora criada por guitarras, pelo baixo e pela percussĂŁo, por isso as expressões “distorção”, “desordem” e “distĂşrbios sonoros capazes de provocar um motim” tambĂ©m nĂŁo caem em saco roto.
E quase se pode dizer que este Jesus With Me Ă© um disco que existe por sorte. A verdade Ă© que os Jesus With Me já nĂŁo existem como banda e foi graças a Ed – que conseguiu gravar algumas dessas jams all night long com os meios possĂveis - que o quarteto existe para alĂ©m de uma histĂłria de amigos, do boca a boca ou do mito da banda das sextas-feiras Ă noite. Mas nĂŁo se pense que Ă© caso Ăşnico. Já em 2003 a compilação Space is No Place, NYC: Noise from the Underground - editada igualmente no selo Psych-o-path - juntava nomes como Electro Putas, Mouthus, Sightings, Mountains of Mata Llama, No-Neck Blues Band e os prĂłprios Jesus With Me com o tema “Never Got to China”, num documento que mostra o noise feito em Nova Iorque visto de várias e interessantes perspectivas. Mas ainda no que aos Jesus With Me diz respeito, apetece dizer: Ele está no meio de nĂłs.