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Mark Mulcahy In Pursuit of Your Happiness

2005
The Mezzotint Label / Ananana


Os Miracle Legion já eram. Enquanto duraram, saltaram de disco em disco ora com um pé junto ao sucesso dos companheiros REM ora com outro pé na suinicultura que dá capa a este In Pursuit of Your Happiness. Congregaram gente de muitos clãs, especialmente a crítica, mas nunca deixaram de balançar entre os louros atribuídos pelo público que iam conquistando e o estrume fresco de quem cai em terra estranha. Apetece evocar (ou inventar agora) a parábola do sujeito que, de tantas vezes que cai no palheiro que serve de latrina às cabras, já sabe não poder tropeçar na trabécula deslocada que está mesmo ao pé da porta. Criam-se este e aquele anticorpos, fica-se cada vez mais imune às corruptelas da gente que nos rodeia. No caso de Mark Mulcahy, frontman dos prodigiosos Miracle Legion, não se sabe se essa imunidade é boa ou má. Mas que parece haver mais boas canções nos discos da banda do que nestes a solo, é certo. Mesmo que isso não chegue a ser mau de todo: ser-se pior do que algo muito bom não significa grande coisa.

O intro que abre o disco começa por levantar algumas suspeitas viscerais: “In Pursuit of Your Happinessâ€, faixa-título, parece uma colagem de “Silent Nightâ€, adaptada em português para “Noite Felizâ€, de ordinário repetida na época dos pinheiros reluzentes, do velhinho barbudo vestido de vermelho e de mais uma ou outra marca que a verve capitalista acentuou nos últimos anos. Não se sabe se a “referência†ao Natal é propositada ou não, mas acaba por soar um tanto descontextualizada. Mas, logo a seguir, “Cookie Jar†e “Be Sure†parecem compensar o início cambaleante. Motivos terão de haver para a rendição quase absoluta de Thom Yorke a este singer-songwriter, e não é de crer que seja companheirismo de amigos.

Mark Mulcahy volta a explorar territórios diversos, mas nesta música indie onde existe pop ao virar da pauta sente-se sobretudo, pelas guitarras sincopadas, pelas melodias com base nos teclados e na voz e pela fusão antagónica de dor e suavidade uma herança quase genética, embutida em todas as proteínas do ADN, do som dos Velvet Underground. “He Vanishedâ€, já no final, não me pareceria deslocada num disco dos criadores do álbum da banana. Trata-se de uma narração assombrosa, entrecortada com coros de refrão e onde chega mesmo a haver semelhanças entre a voz de Mulcahy e a de Lou Reed. Em “I Have Patience†canta "The things I have loved don't bring me joy / The things I want, I want to destroy", e nós somos obrigados a cantar com ele. Porque, como disse e bem o Guardian, as canções de Mark Mulcahy continuam na nossa cabeça muito para além do momento em que o disco deixa de tocar na aparelhagem. Pelo menos uma grande parte delas. Outras, mais dadas a bocejos ou tédio disfarçado, causam vontade de mudar de faixa. Mas são poucas. E até o bom Homero às vezes dormitava...


Tiago Gonçalves
tgoncalves@bodyspace.net
21/07/2005