Os Miracle Legion já eram. Enquanto duraram, saltaram de disco em disco ora com um pé junto ao sucesso dos companheiros REM ora com outro pé na suinicultura que dá capa a este In Pursuit of Your Happiness. Congregaram gente de muitos clãs, especialmente a crÃtica, mas nunca deixaram de balançar entre os louros atribuÃdos pelo público que iam conquistando e o estrume fresco de quem cai em terra estranha. Apetece evocar (ou inventar agora) a parábola do sujeito que, de tantas vezes que cai no palheiro que serve de latrina à s cabras, já sabe não poder tropeçar na trabécula deslocada que está mesmo ao pé da porta. Criam-se este e aquele anticorpos, fica-se cada vez mais imune à s corruptelas da gente que nos rodeia. No caso de Mark Mulcahy, frontman dos prodigiosos Miracle Legion, não se sabe se essa imunidade é boa ou má. Mas que parece haver mais boas canções nos discos da banda do que nestes a solo, é certo. Mesmo que isso não chegue a ser mau de todo: ser-se pior do que algo muito bom não significa grande coisa.
O intro que abre o disco começa por levantar algumas suspeitas viscerais: “In Pursuit of Your Happinessâ€, faixa-tÃtulo, parece uma colagem de “Silent Nightâ€, adaptada em português para “Noite Felizâ€, de ordinário repetida na época dos pinheiros reluzentes, do velhinho barbudo vestido de vermelho e de mais uma ou outra marca que a verve capitalista acentuou nos últimos anos. Não se sabe se a “referência†ao Natal é propositada ou não, mas acaba por soar um tanto descontextualizada. Mas, logo a seguir, “Cookie Jar†e “Be Sure†parecem compensar o inÃcio cambaleante. Motivos terão de haver para a rendição quase absoluta de Thom Yorke a este singer-songwriter, e não é de crer que seja companheirismo de amigos.
Mark Mulcahy volta a explorar territórios diversos, mas nesta música indie onde existe pop ao virar da pauta sente-se sobretudo, pelas guitarras sincopadas, pelas melodias com base nos teclados e na voz e pela fusão antagónica de dor e suavidade uma herança quase genética, embutida em todas as proteÃnas do ADN, do som dos Velvet Underground. “He Vanishedâ€, já no final, não me pareceria deslocada num disco dos criadores do álbum da banana. Trata-se de uma narração assombrosa, entrecortada com coros de refrão e onde chega mesmo a haver semelhanças entre a voz de Mulcahy e a de Lou Reed. Em “I Have Patience†canta "The things I have loved don't bring me joy / The things I want, I want to destroy", e nós somos obrigados a cantar com ele. Porque, como disse e bem o Guardian, as canções de Mark Mulcahy continuam na nossa cabeça muito para além do momento em que o disco deixa de tocar na aparelhagem. Pelo menos uma grande parte delas. Outras, mais dadas a bocejos ou tédio disfarçado, causam vontade de mudar de faixa. Mas são poucas. E até o bom Homero à s vezes dormitava...