Por definição, o domingo é o dia da semana em que se aproveita para pegar nos livros esquecidos na secretária, pôr as ideias em ordem, beber uma chávena de chá e, se estiver bom tempo, passear um pouco ao final da tarde. Há sempre alguma rotina na forma como se prepara o dia seguinte, de volta à agitação da sociedade de uma inúmera quantidade de obrigações e responsabilidades. Este ano não, que a minha geração ainda é sónica, mas imagino que daqui a uns anos me reúna com alguns amigos, numa sala em mogno, e aprecie um bom whiskey. Ocasionalmente, recordaremos como a Joni Mitchell mudou o mundo. Mas isso será daqui a muitos anos e, para já, ainda nada disto é realmente verdade.
À parte da conversa de conveniência, a parte que nos interessa focar, para este caso, é o facto da senhora que escrevia canções para gaivotas ter criado um precedente para um determinado tipo de jovens-adultas se tornarem cantautoras (aproveito a ocasião para mostrar a minha extrema repulsa pela expressão). Mais ou menos talentosas, vão aparecendo regularmente fiéis aficcionadas à canadiana. No entanto, só algumas são dignas de referência. Este é um dos casos.
Há que confessar: as guitarras ficam efectivamente bem em mãos de mulheres que as tratem convenientemente (momento para a recuperação do vÃdeo-momento "Let a good thing go†de Gemma Hayes). Se a isso se juntar a imagem de Sarah Harmer enquanto grava All of Our Names, em sua casa, com alguns amigos, é fácil visualizar de onde advém a intimidade das vocalizações dos temas e a pureza das cordas da guitarra com que a canadiana fala dos seus episódios diários de desencontros e empatias várias. Manifestadamente, este disco continua as histórias de You Were Here, quatro anos passados da sua edição, e numa mesma tonalidade. Porém, houve uma evolução notória na forma como Harmer entende a sua escrita.
Se em registos anteriores Sarah Harmer não tinha, ainda, atingido uma maturidade liricista que transformasse as suas composições em algo de memorável, All of Our Names efectua uma identificação imediata com as metáforas inteligentes da compositora. Em “Pendulumsâ€, Sarah refere os momentos especiais em que as rotinas são quebradas e adivinhamos grandes alegrias em pequenos prazeres. “Almost" é a promessa de um romance esquecido e relembrado em sonhos (“Almost dialed your number when I thought the coast was clear / cuz it's looked up for so long at me and said call me pleaseâ€), alimentado por esperanças antigas escritas numa folha de papel. “Silver Road†podia ser single do mês numa qualquer estação de rádio dedicada ao folk. “Dandelions in Bullet Holes†é o tema central do disco, uma canção inteligente e dedicadamente estruturada, cuja temática nos leva à reflexão sobre a condição de seres ligados estritamente à sensibilidade, à intimidade e à vulnerabilidade inerentes, posteriormente, a “Tether†(“Living this close to the road / You question your vulnerability / Got the curtains closed / And there's nothing for those bold coyotes to seeâ€). “Go To Sleep†é um pedido de reconciliação em falta de formalização (“Go to sleep / At least lie here awhile / Best to look straight through your eyes / Count or listen to the voices / But don't go out and down to the landingâ€).
Se tivesse de arriscar, diria que muito deste disco foi escrito em tardes de domingo, em finais de Outono, influenciado pelo vento do lado de fora das janelas e pelas labaredas de uma lareira quase apagada. Há muito de reflexão pessoal em All of Our Names; mais, provavelmente, do que esforço musical em volta do último LP da autora canadiana. Por conseguinte, o resultado é um trabalho coerente e maduro que tem os seus pontos altos quando é sentida a sinceridade com que Sarah Harmer partilha os acordes das suas canções. E é senso comum que se deve respeitar quem é sincero.