Tivesse ConfĂşcio abandonado o mundo num estado de graça profĂ©tico, e “13 and God” teriam sido as Ăşltimas palavras proferidas pelo filĂłsofo chinĂŞs. Perante o panorama do hip hop actual – mergulhado em águas turvas pela abundância de curvas -, o projecto que reĂşne os esforços dos Notwist e Themselves soa magnificamente erudito, capaz de mover as montanhas do conformismo Pimp my Ride, o programa da MTV que vende o sonho suburbano em forma de carro artilhado. Podem os incautos continuar a brincar aos carrinhos, enquanto o refogado ferve o Ămpeto criativo de duas formações auto-suficientes que, nem que sĂł para descobrir relevo Ă terceira via, debulharam os respectivos cĂłdigos genĂ©ticos sem que tal implicasse um acanhamento cortĂŞs ou cortes significativos nas essĂŞncias.
Unem-se pela lógica do traçado duas super ramificações distintas: uma delas – os Notwist – habituada às mutações que separam o rock independente do agigantamento proporcionado pela electrónica, a outra – os Themselves – generalizadamente reconhecida por habitar um meio – a Anticon - em que a dança de cadeiras surte resultados sempre mais impressionantes que o solilóquio de umbigo. O super passa a mega e 13 & God reivindica para si o direito a ser escutado, nem que seja pela improbabilidade de voltarem a colaborar num mesmo disco a meia-dúzia de cérebros aqui reunidos. Talvez porque a Anticon merece desde há muito a simpatia e atenção do ciberespaço, 13 & God será mais um happening que um disco capaz de sobreviver ao tempo e a múltiplas escutas.
Ainda assim e dada a imprevisibilidade com que procede ao cruzamento de universos, a peça de teatro virtual (reparem na capa) provoca no ingĂ©nuo um impacto comparável ao dos primeiros vinte minutos d’O resgate do Soldado Ryan. Ă€ medida que sibilam junto dos ouvidos as balas alienĂgenas (“Ghostwork” e “Afterclap” passam de raspĂŁo), vĂŞ-se ameaçada a estabilidade dos sentidos que procura um novo disco dos Notwist ou uma sequela para The No Music do colectivo Themselves. 13 & God estará muito mais prĂłximo de uma destemida vontade prĂłpria requisitada ao glorioso Kid A. Tritura coordenadas impostas por expectativas e a partir dessa matĂ©ria produz hambĂşrgueres cĂłsmicos.
Alturas há em que 13 & God parece estar-se completamente nas tintas para qualquer obrigatoriedade hip-hop. Por isso e porque nĂŁo seria descabido atribuir a sua autoria aos Postal Service, torna-se viável o trocadilho entre “Men of Station” e manifestation (manifestação). Isto porque o harmonioso single nĂŁo se acanha na hora de manifestar um esplendor pop capaz de ofuscar o perifĂ©rico hip hop. TambĂ©m esse tem direito Ă ribalta quando a ocasiĂŁo se revela propĂcia: “Soft Atlas” proporciona o fatalismo ideal ao flow inconfundĂvel de Doseone (o mais proeminente dos Themselves) e “Superman on Ice” alterna rimas numa roleta russa em que o bravio herĂłico dos intervenientes vai aos poucos sendo asfixiado por sons urbanos empilhados ao ritmo da bolsa de valores Nasdaq. Caso submetesse o seu estilo Ă lei da robĂłtica, Guillermo de Llera (Primitive Reason) poderia bem ser o quarto Themselves.
A figura medonha que figurava no single de apresentação era afinal o coelho que em Donnie Darko anunciava o fim do mundo e despertava no protagonista uma motivação criativa tĂŁo destrutiva quando construtiva. As parecenças nĂŁo deixam lugar Ă dĂşvida. 13 & God Ă© uma ameba digna de se contemplar durante o perĂodo de actividade hormonal. E, tal como a ameba, impressiona a cada vez que percorre qualquer distância (em direcção ao futuro do hip-hop, neste caso). NĂŁo há contudo paciĂŞncia que aguente visionamentos repetidos de uma prova de cem metros barreiras disputada por dois bichos demasiado empenhados em exibirem o vanguardismo da sua viscosidade.