D-Mars é uma autoridade no hip-hop da nação. Com uma carreira já longa, sedimentada por colaborações (Micro, Mentes Conscientes, Ofício) e pelo trabalho em nome próprio, é uma referência incontornável no universo do hip-hop ortodoxo. Agora, Mars aposta na diversificação e aventura-se num projecto puramente instrumental, criando para tal um alter-ego: Rocky Marsiano.
The Pyramid Sessions, o disco, é o resultado de muitas horas de pesquisa, de extensa investigação. Marsiano é uma criança a brincar com um baú cheio de discos antigos de jazz. Fascinado com o brilho dos velhos discos, procura incansavelmente os excertos perfeitos para o trabalho de corte e colagem. Adivinha-se este prazer da descoberta da música em cada batida. D-Mars mostra a sua faceta de artesão ao transformar com mestria os retalhos de swing num harmonioso e novíssimo tapete instrumental. Nesta investida Marsiano tem a companhia da guitarra de T-One, o líder dos raw-funkers Mr. Lizard (e já se aguarda com alguma expectativa o disco de estreia). T-One consegue com os seus ornamentos fornecer uma nova camada de brilhantina por cima das (re)criações de D-Mars. Outro elemento que adoça esta rodela de música nova é o convidado Rodrigo Amado, que seduz o saxofone sobre o tema “LX Extravaganza”, um dos momentos superiores do álbum.
Neste notável objecto urbano pressente-se uma constante reverência ao passado, pela música antiga, pelos mestres e pelas obras. Esticando fronteiras e alargando conceitos, poderíamos mesmo dizer, com alguma boa-vontade, que este é um disco de jazz - não em strictu sensu, obviamente, mas pela atmosfera que insinua, pela riqueza sonora que o caracteriza. D-Mars atravessa todo o hip-hop para desaguar na criação do seu próprio conceito de jazz – sempre foi a liberdade de criação que guiou os grandes inovadores.
Apesar de se poder arrumar este disco na prateleira entre Shades Of Blue de Madlib e Beats, Vol.1 de Sam the Kid, Marsiano gerou algo distinto, com identidade própria bem vincada. Estas referências poderão ser difíceis de evitar, mas o projecto Marsiano afasta-se decisivamente dos recortes pessoais do MC de Chelas e do tratamento que o salteador da Blue Note dá ao “finest jazz since 1939”. D-Mars usa como ferramentas o instinto, a técnica e uma bela colecção de discos clássicos para invadir um território pouco conhecido, com muito ainda por explorar. De Rocky Marsiano aguarda-se agora novas abordagens com o mesmo nível de elegância. The Pyramid Sessions é um dos melhores discos nacionais de 2005.