O que significa afinal Ölga? Um entrosamento triplo que os sentidos empolga? A combustão auto-suficiente que catalogações amolga? Pós-rock em dia de folga? A banda que falta aos horizontes musicais de Anderson Polga? What Is dispõe-se muito mais a questões do que a absolutismos peremptórios. Por aqui, as frases inscritas em tábua rasa não correspondem necessariamente a mandamentos. As frases podem até ser figuras. Reina a incerteza. Ölga é tão somente a fonte a partir da qual as sombras se formam nas paredes da caverna.
É o sonho que comanda a vida do trio. Os Ă–lga distinguem-se por tomar o caminho mais longo em direcção Ă quimera. Perdem-se em limbos cerebrais, alcançam o clĂmax por meio de uma ascensĂŁo sinuosa conduzida pelo ĂłrgĂŁo e voltam-se a encontrar Ă esquina dos trĂŞs vertĂces. Pode um disco ser labirĂntico sem simultaneamente repelir pela sua complexidade? Os dispositivos lĂşdicos de What Is apontam para uma força anĂmica equivalente Ă sentida por milionários fingidos perdidos em horas a fio de MonopĂłlio. A duração psicolĂłgica de What Is diverge claramente (e conforme as estações da mente) da real.
O primeiro álbum dos Ă–lga apresenta uma mecânica semelhante Ă dos livros de Aventuras Fantásticas (aqueles em que se comiam Provisões para ganhar 4 pontos de Força): permitem que sejam os dados sensoriais a ditar o rumo ao trajecto a percorrer, tal como o samurai sem mestre que, ao chegar a uma encruzilhada, arremessa um pau ao ar e deixa que seja a extremidade mais aguçada do objecto a apontar-lhe o caminho. Tal como nos livros, trocar a ordem Ă s faixas com um shuffle Ă© fazer batota. A vida, no cĂ©u translĂşcido como na terra, Ă© plena de possibilidades e o trio dá-se ao luxo de facultar mais umas quantas. A liberdade criativa - em que What Is parece estar assente - inspira interpretações tĂŁo diversas quanto o nĂşmero de combinações de um cofre. Insinuam-se bifurcações e o sonho torna-se cĂclico.
"Money" Ă© hino disco (ainda assim, nada tem a ver com “Y.M.C.A.") imerso na solenidade confessional de alguĂ©m que pode ser Nixon prestes a abandonar a presidĂŞncia. Apesar de ser a faixa que de forma mais directa aponta para um ambiente concreto e perceptĂvel em vez de nebuloso, "Money" atrai a presa de prazeres fáceis atĂ© ao nĂşcleo do contágio e, assim que a encontra em transe, cessa em pleno clĂmax, como o Batman que resgata um Robin mais pagodeiro a um qualquer estabelecimento da 24 de Julho. Depois disto, What Is estatela-se de queixo numa roda viva de paralelos e improváveis passagens entre eles. "Money" nĂŁo garante menos que uma viagem alucinante. Pagar para ver.
Envolto em contornos Ă©picos, "The Hunt" opõe soldados grunhos a lobisomens em sessĂŁo da meia-noite vivida num frágil estado de consciĂŞncia que cerra os olhos enquanto os ouvidos se tornam mais clarividentes. What Is torna intelĂgivel essa capacidade que os Ă–lga possuem de acrescer visĂŁo Ă audição. “Hassana” comporta o tom bĂblico do cinema de Cecil B. DeMille e dita o auge ao disco. "Cube" aveluda o ĂłrgĂŁo atĂ© que este expluda em lounge capaz de despir uma AmĂ©lie Poulain vamp atravĂ©s da simples carĂcia do som.
Fosse eu perder-me em comparações e podia atĂ© trazer Ă baila as incursões dos Doors por terrenos mĂsticos ou a brilhante tentativa de contemplar o infinito imortalizada por Kool & the Gang nessa obra que Ă© “Summer Madness”. Prolongar-me nesse marasmo seria inĂştil, já que os Ă–lga deixam - com a intervenção divina deste promissor álbum - de fazer sentido enquanto termo de comparação e passam a assumir uma identidade prĂłpria, capaz de determinar rĂłtulos por si sĂł.
A parábola acaba por ser a dos quatro monges budistas que, de mãos assentes na pele do elefante e olhos fechados, conseguem identificar o que tacteiam apenas a partir do momento em que se decidem a trocar impressões. What Is pode ser a quarta parte de um elefante ou o dito animal em idade jovem. Agarrem-se à memória mnemónica, pois daqui ninguém sai sem antes se perder. What Is perfila-se desde já como melhor debute (se exceptuarmos o primeiro EP) do ano.