Tenho a certeza de que os tabloids britânicos salivam na expectativa de uma idiotice como aquela que levou o PrĂncipe Harry – rufia de sangue azul – a trajar uniforme Nazi num baile de máscaras. Neste caso, tal como no que vos trago, prende-se o problema com uma interpretação literal da teatralidade, enquanto instrumento favorável ao choque e provocação. O rock, aliás, vive Ă sombra da teatralidade desde que Ozzy Osbourne se auto-entitulou de PrĂncipe das Trevas. Tal tendĂŞncia veio a conhecer efeitos espalhafatosos nos Kiss e encontra hoje continuidade nos itinerários circenses que Marylin Manson ou os Rammstein fazem desfilar pelo mundo inteiro. The Plot to Blow Up the Eiffel Tower (ufa!) representam mais que uma parafernal ameaça, ainda que, alĂ©m de muita parra, nĂŁo disponham de muito mais para oferecer do que alguns bagos explosivos.
A turma incendiária - proveniente de San Diego - percorre actualmente o continente europeu envolta numa polémica que, face ao visual com reminiscências nazis, divide ofendidos e ofensores. Isto porque, em palco, os arruaceiros não abdicam de envergar braçadeiras vermelhas e brancas. O grafismo de Love in the Fascist Brothel também não ajuda muito e contribui para a suspeição (e conspiração).
Proceda-se a vistoria de casos semelhantes. Os Melvins, por exemplo, incluem o sĂmbolo da brigada SS-Totenkopf em alguns dos seus discos e nĂŁo Ă© por isso que deixam de ser merecedores do imenso respeito que a sua dignĂssima carreira lhes vale. NĂŁo me parece que Jello Biafra – o autor do emblemático hino “Nazi punks fuck off” – apreciasse ver o seu nome associado Ă extrema direita, daĂ que tenha lançado recentemente um disco em parceria com os Melvins. Sabbath Bloody Sabbath (dos Black Sabbath, precisamente) ocultava no seu nome a sigla SS e nĂŁo deixa de ser obrigatĂłrio. Os prĂłprios Ramones parodiavam as tropas hitlerianas em “Today your love, tomorrow the world”, e associá-los a essa ideologia seria um absurdo. Da mesma forma que nĂŁo devem ser levadas a sĂ©rio as preces de Dr. Dre ou Ice-T (ou seja lá quem for) que suplicam pela extinção da raça branca. Pertence ao rock, enquanto arte primordial, ser sujo, intenso e, claro está, provocatoriamente fingidor ao ponto de afectar o estĂ´mago e criar Ăşlceras. Agora que negociados os termos da farsa, estamos entendidos. NĂŁo será por aĂ que a mĂşsica dos TPTBUTET se sujeita a ser desprezĂvel.
Bem vistas as coisas, o plano para mandar a Torre Eiffel pelos ares acaba por estar directamente ligado ao semear de polĂ©mica e colheita de reacções negativas. É a energia resultante desse ciclo a que alimenta a locomotiva californiana – subversivamente contagiante e continuamente Ă beira do colapso nervoso. Os TPTBUTET lançam-se a cada faixa com a mesma convicção desmiolada dos participantes de Nunca Digas Banzai. Tratam de prolongar atĂ© onde a cacofonia permite a elasticidade do momento em que o Ămpeto cede Ă dor. Ligeiramente mais comedidos em termos de ruĂdo que os vizinhos Locust (gafanhoto em portuguĂŞs) e geralmente mais abrasivos e dementes que os Blood Brothers, os TPTBUTET representam, sob a forma de Louva-a-Sangue, o bizarro meio-termo entre as duas bandas mencionadas. Pelos cortes que desferem no aparelho auditivo, torna-se claro que as dez faixas pertencentes a Love in the Fascist Brothel aspiram a abundante esguichar de sangue. “They throw mud, we throw blood” parece ser o lema do quarteto.
Como quem reivindica a distinção da restante praga de bandas, os TPTBUTET atiram-se de cabeça a fulminantes combustões “jazzĂsticas” (“Exile on Vain Street” faz arder os Campos ElĂsios no groove que lhe serve de conclusĂŁo), alĂ©m de impregnarem de pompa militar grande parte do disco. Entre fumo negro e casualidades entre os instrumentos, demonstram ser capazes de condensar o que de mais bombástico tĂŞm em “Love in the Sex Prison”, raid madrugador cujo “riff” suado a ninguĂ©m poupa. Logo de seguida, “Vulture Kontrol” e “Rattus Uberalles” quase comprometem o sucesso do plano, dada a sua banalidade descomprometida. Os autores de Love in the Fascist Brothel revelam-se mais oportunos quando dispostos a arriscar tudo (a credibilidade junto de fĂŁs, inclusive) ao depositarem uma fĂ© cega na oposição entre o ácido e a melodia cadavĂ©rica, tal como acontece no ponto alto que Ă© o delĂrio “Drake the Fake”.
Love in the Fascist Brothel vive das convulsões que provoca. Fracassa a cada vez que não destila um golpe certeiro, mas ao longo de toda a sua duração apresenta substanciais provas de que tudo fez para colocar quem escuta em cheque-mate. Tudo dependerá da imunidade e resistência à vertigem. Ainda não foi desta que a Torre Eiffel veio abaixo.