Muito se fala da tal montanha que pariu um rato, mas ninguĂ©m sabe ao certo como tal aconteceu ou que ruĂdos se escutaram nessa altura. NĂŁo há quem consiga reproduzir o som emitido por uma árvore que caiu na floresta, sem ter estado presente. “Like Herod” – o assombroso Ă©pico dos Mogwai – Ă© prenĂşncio de uma qualquer circunstância – trágica ou reconciliadora para a humanidade – por acontecer. Quando do cĂ©u se abater aquela avalanche de guitarras que inundam o seu refrĂŁo (será?), borramo-nos todos em coro, na certeza de que nem o Bruce Willis nos safa desta.
Ao abrigo do “lifting” a que os Mogwai sujeitam as suas composições em palco, o que Ă© grande torna-se gigantesco. Este Government Commissions - colheita das melhores prestações gravadas para os programas de John Peel e Steve Lamacq – descreve o semblante mais cerebral e capacidade de redimensionar por parte da banda que resgatou o nome Ă espĂ©cie que inclui esse reciclável que foram os Gremlins. Assim, o basilar “Like Herod” reemerge do prodigioso Young Team sem uma ruga que se lhe adivinhe. Preserva na sua intemporalidade bĂblica todas as capacidades que dela fizeram “A” mĂşsica climática por excelĂŞncia: o jogo do gato e rato entre crescendos e decrescendos, o valente cagaço (continua intacto), a consumação contorcida em ruĂdo branco mais branco nĂŁo há. A liberdade de movimentos - quase dub, na asfixia daquele “riff” cortante – que em tudo favorece a leitura de “Like Herod” presente nesta compilação, faz com que o seu impacto se estenda alĂ©m do ardor de estĂ´mago que a versĂŁo de Young Team provocava. Adivinha-se inĂ©rcia nos mais susceptĂveis.
Termo colocado Ă minha fixação por “Like Herod”; Government Commissions Ă© garantia de satisfação, seja nas mĂŁos de aficionados ou de curiosos em busca do primeiro contacto. Sem nunca desvirtuar radicalmente o que já por si era perfeito em disco (a selecção Ă©, de facto, impecável), a matemática da prestação ao vivo frequentemente remete para nĂşmeros fraccionários. Pois se “Kappa” em Come On Die Young equivale a 2, em Maida Vale (onde foi gravada a interpretação que aqui figura) corresponderá a 1,94 e em Roskilde a 2,08 (mais tenso). A singularidade do momento Mogwai Ă© irrepetĂvel e Government Commisions multiplica isso por dez, percorrendo os quatro discos de estĂşdio e um par de obscuridades recuperadas aos primeiros lançamentos. É tĂŁo universal quanto um disco dos escoceses pode ser.
Num plano paralelo Ă mĂşsica, Ă© perceptĂvel a elegia a John Peel - eterno entusiasta e mecenas da carreira dos Mogwai -, cuja voz se escuta logo de inĂcio ao introduzir a banda e ecoa atĂ© “Stop coming to my house”. Sente-se no alinhamento a camaradagem britânica que une o mĂtico locutor de rádio Ă instituição rock escocesa. AlĂ©m disso, sente-se neste lançamento a vontade de dar um renovado fĂ´lego a uma carreira que, por mais voltas que se lhe dĂŞ, parece nunca ter exorcizado por completo os fantasmas de um Young Team insuperável. Government Commisions sumariza e encaixa perfeitamente num percurso que há muito se marimbou para expectativas, limitando-se simplesmente a expor os resultados de um perĂodo criativo.
Creio piamente que Come On Die Young ou Happy Songs For Happy People incluĂam o que de melhor os seus autores tinham para dar aquando da sua gestação. Tal como acredito que neste Government Commisions esteja reunido o que de melhor 71 minutos possam resgatar a uns Mogwai Ă margem das exigĂŞncias de estĂşdio. SĂł quando na espontaneidade do “take” directo ganham asas, os Mogwai se sentem como peixe na água. Aposto que já vai faltando um aquário aĂ em casa.