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Mogwai Government Commissions: BBC Sessions 1996-2003

2005
Matador Records


Muito se fala da tal montanha que pariu um rato, mas ninguém sabe ao certo como tal aconteceu ou que ruídos se escutaram nessa altura. Não há quem consiga reproduzir o som emitido por uma árvore que caiu na floresta, sem ter estado presente. “Like Herod” – o assombroso épico dos Mogwai – é prenúncio de uma qualquer circunstância – trágica ou reconciliadora para a humanidade – por acontecer. Quando do céu se abater aquela avalanche de guitarras que inundam o seu refrão (será?), borramo-nos todos em coro, na certeza de que nem o Bruce Willis nos safa desta.

Ao abrigo do “lifting” a que os Mogwai sujeitam as suas composições em palco, o que é grande torna-se gigantesco. Este Government Commissions - colheita das melhores prestações gravadas para os programas de John Peel e Steve Lamacq – descreve o semblante mais cerebral e capacidade de redimensionar por parte da banda que resgatou o nome à espécie que inclui esse reciclável que foram os Gremlins. Assim, o basilar “Like Herod” reemerge do prodigioso Young Team sem uma ruga que se lhe adivinhe. Preserva na sua intemporalidade bíblica todas as capacidades que dela fizeram “A” música climática por excelência: o jogo do gato e rato entre crescendos e decrescendos, o valente cagaço (continua intacto), a consumação contorcida em ruído branco mais branco não há. A liberdade de movimentos - quase dub, na asfixia daquele “riff” cortante – que em tudo favorece a leitura de “Like Herod” presente nesta compilação, faz com que o seu impacto se estenda além do ardor de estômago que a versão de Young Team provocava. Adivinha-se inércia nos mais susceptíveis.

Termo colocado à minha fixação por “Like Herod”; Government Commissions é garantia de satisfação, seja nas mãos de aficionados ou de curiosos em busca do primeiro contacto. Sem nunca desvirtuar radicalmente o que já por si era perfeito em disco (a selecção é, de facto, impecável), a matemática da prestação ao vivo frequentemente remete para números fraccionários. Pois se “Kappa” em Come On Die Young equivale a 2, em Maida Vale (onde foi gravada a interpretação que aqui figura) corresponderá a 1,94 e em Roskilde a 2,08 (mais tenso). A singularidade do momento Mogwai é irrepetível e Government Commisions multiplica isso por dez, percorrendo os quatro discos de estúdio e um par de obscuridades recuperadas aos primeiros lançamentos. É tão universal quanto um disco dos escoceses pode ser.

Num plano paralelo à música, é perceptível a elegia a John Peel - eterno entusiasta e mecenas da carreira dos Mogwai -, cuja voz se escuta logo de início ao introduzir a banda e ecoa até “Stop coming to my house”. Sente-se no alinhamento a camaradagem britânica que une o mítico locutor de rádio à instituição rock escocesa. Além disso, sente-se neste lançamento a vontade de dar um renovado fôlego a uma carreira que, por mais voltas que se lhe dê, parece nunca ter exorcizado por completo os fantasmas de um Young Team insuperável. Government Commisions sumariza e encaixa perfeitamente num percurso que há muito se marimbou para expectativas, limitando-se simplesmente a expor os resultados de um período criativo.

Creio piamente que Come On Die Young ou Happy Songs For Happy People incluíam o que de melhor os seus autores tinham para dar aquando da sua gestação. Tal como acredito que neste Government Commisions esteja reunido o que de melhor 71 minutos possam resgatar a uns Mogwai à margem das exigências de estúdio. Só quando na espontaneidade do “take” directo ganham asas, os Mogwai se sentem como peixe na água. Aposto que já vai faltando um aquário aí em casa.


Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
23/03/2005