Há pitada de sebastianismo na quebradiça aura que envolve Matt Sharp. Ele que se costumava perder nas noitadas das grandes cidades turÃsticas de Espanha, parece também ter perdido o rasto ao sexto sentido pop que fez dele co-autor de dádivas como Weezer (Blue Album) e Pinkerton (onde as evidências do seu contributo são ainda mais notórias), enquanto baixista dos Weezer. No perÃodo intercalar que separara os dois discos, Sharp – na companhia de Petra Haden das simpáticas That Dog. – encontrou escape criativo na new-wave solarenga dos Rentals, que lançaram em 1995 o promissor debut The Return of the Rentals pela Maverick. O que parecia ser apenas um “affair†de uma só noite acabou por abalar o matrimónio Rivers Cuomo / Matt Sharp, agravado pela prematura estigmatização de Pinkerton (mal amado à nascença, hoje aclamado como farol de um novo EMO) e irritante sucesso das faixas de Return que vinham merecendo cerimónias de single.
Sucedeu-se um meio-eclipse (em tudo semelhante ao que ameaça actualmente os Blur), a disputa de egos afastou Matt Sharp dos Weezer e o segundo disco dos Rentals tropeçou na sombra de conquistas recentes, apesar de contar com a participação do ExcelentÃssimo Damon Albarn. Insatisfeito, o ex-baixista dos Weezer fez-se à estrada e partiu em busca da quimérica essência que serve de norte aos bardos dos tempos modernos. Passou de iluminado a exilado. A estreia (se excluirmos o EP) homónima é produto de cinco anos a preto-e-branco passados em Leipers Fork, Tennessee.
Vede-se a arame floreado a entrada aos que até aqui vêm na senda dos irresistÃveis iscos que, noutros tempos, Matt Sharp lançava ao mar auditivo. Distante vai o tempo áureo dos refrões batráquios, agora é tempo de procurar no brilho da fogueira e no odor do feno inspiração campestre que permita a Sharp transpor para o disco o moroso processo de digestão emocional que o manteve em cativeiro no Tennessee. Sobram do passado a omnipresença do encanto californiano e a amena temperatura de um registo musical que nunca desce abaixo dos 32 graus Fahrenheit. Tudo o resto muda. O arco revela-se ascendente no que a intensificação de intimidade diz respeito e, dependendo de cada apreciação, descendente na perspectiva da pertinência e potencial de singrar na sobrepovoada área do “songwritingâ€. Matt Sharp esforça-se demasiado em dar a ver os poros da sua nova pele de herói romântico.
Ainda assim e apesar de todos os “rodriguinhos†que traz cravados à superfÃcie, Matt Sharp aparenta a grandeza dos discos laborados com inofuscável paixão. Surge como sintonia ideal para guiar os passos dos sonâmbulos diurnos. Sharp conhece bem os mecanismos do conto (“Thoghts From a Slow Train†é postal “beatâ€) e sabe como projectá-lo no pensamento de quem escuta. Conhece também a melhor forma de insinuar a presença do piano e guitarra acústica sem sufocar a respiração da mencionada apetência para a narrativa. Onde falha então o músico? A cada escuta adicional. Já percorri o disco umas sete vezes e somente “Goodbye West Coast†(que já conhecia lugar no EP Puckett's versus The Country Boy) se salienta de todo um conjunto que, quando não satisfaz os padrões minÃmos de exigência, chega a ser redondamente aborrecido.
E escreve um incondicional acólito dos Weezer e partidário da teoria de que o adeus de Matt Sharp foi fatal para a carreira da banda que o tornou famoso. O percurso musical do desertor encontra paralelo no encadeamento de três bebidas muito apreciadas: Coca-Cola, Vodka Limão e o Whisky Jack Daniels. Agora resta-nos esperar pelo envelhecimento da terceira.