Muito tem contribuĂdo a electrĂłnica vai-a-todas para o dissipar das fronteiras que separam as estações do ano. Tenho adormecido ao som de Pause - lançado em 2001 – na incerteza do seu enquadramento estacional. Em vez de carneiros, conto folhas secas, que – numa compassada sucessĂŁo - se transformam em flocos de neve, pĂ©talas de malmequer, fragmentos de luz solar. A matĂ©ria “Tetrateteana” desdobra-se em combustões multi-coloridas ao mesmo ritmo que Sonic aglutina anĂ©is dourados – ganha o balanço necessário no “loop” (extraĂdo Ă orgânica da guitarra, piano, etc.) para, logo que armazenada suficiente energia cinĂ©tica, explodir num irresistĂvel “groove” solarengo. Four Tet, a par dos Boards of Canada, pontifica uma electrĂłnica caleidoscĂłpica, a que os escribas gostam de chamar folktronica. O single (com dois discos e quase cinquenta minutos de material?!) My angel rocks back and forth serve de extensĂŁo a Rounds e faculta preciosas coordenadas a quem por aqui se quiser aventurar.
Digressões percorridas ao lado de santos cá da casa como os Radiohead (que acompanhou durante a mini-digressão que os trouxe até aos nossos Coliseus) ou o Animal Collective, servem de credencial capaz de colocar os sentidos em continência perante o que Kieran Hebden – o nome que os pais escolheram para o mago do laptop – tiver a acrescentar à electrónica actual.
Estabelecida a sintonia, desobstruam-se os canais cognitivos para que o fluir surta os efeitos mais eficazes. Four Tet compõe baladas de amor para dois extremos opostos de um mesmo espaço amplo preenchido por pontuais focos de luminosidade, caracteres japoneses escritos a nĂ©on cinzento e um mar de variantes existencialistas de Pokemons. Cabe a cada um estabelecer silogismos entre os diversos cenários meteorolĂłgicos (de discos como Pause e Rounds) e o ideário Manga-filosĂłfico que Four Tet explora essencialmente nos telediscos "My angel rocks back and forth" e "No more mosquitoes" (ambos incluĂdos no lote de quatro videos que compõe o DVD incluĂdo em anexo). Admito que os resultados adquiridos possam ser tĂŁo variados como a mĂşsica que os instiga.
Venha entĂŁo atĂ© Ă minha Ă lupa essa mĂşsica que por aĂ chamam de folk futurista – epĂteto esse que, desde que alguĂ©m ganhou barba atĂ© aos pĂ©s, Ă© suspeito. Apesar de servir apenas como amostra de um trabalho bem mais abrangente, My angel rocks back and forth revela – alĂ©m da ternamente dĂłcil faixa que lhe serve de tĂtulo – Four Tet perante uma encruzilhada que o mantĂ©m Ă mesma distância da folk manipulada que o trouxe atĂ© aqui e do sussurro aos poucos intensificado que o deixa mais prĂłximo das sonoridades ambientais.
“I’ve got viking in me” e “All the chimers” (espiritualmente folk, ainda assim) – os inĂ©ditos incluĂdos - servem de prognĂłsticos ao que pode vir a ser Everything Ecstatic (com lançamento previsto para Maio). Ambas as faixas nĂŁo destoariam como banda-sonora de documentários a serem exibidos na filial do “National Geographic” que conhece transmissĂŁo exclusiva na Quinta DimensĂŁo. Melodias adequadas ao fundo sonoro de rituais de acasalamento entre anfĂbios e alforrecas, geishas reencarnadas em pandas, vidas perdidas no registo de anomalias genĂ©ticas durante a desova da truta mutante. Durante todo o ano, faça sol ou faça chuva.