bodyspace.net


LCD Soundsystem LCD Soundsystem

2005
DFA


Eh pá, há uma lista de gajos assim meio entroncados que as gajas curtem. Não são muitos, certamente, e não são iguais aos 'tugas que para aí andam, vestidos com os seus wife-beaters e fios-de-ouro, que batem nas mulheres enquanto vêem a bola, bebem Super Bock e comem tremoço. São, à falta de melhor palavra, "artistas" ou coisas parecidas. Há qualquer química animal que faz com que as gajas se sintam atraídas por esses tais gajos, que podem ser gente como Frank Black, pelas suas canções e pela energia que injectou nelas, Jack Black, por saber comportar-se como um verdadeiro asno, Marlon Brando, por causa do charme da arrogância, Ron Jeremy, por conseguir fazer sexo oral a ele próprio, ou até mesmo gente como o Meat Loaf, por ser foleiro para caraças e ter bitch tits no filme Fight Club. Estes tipos não são propriamente o Brad Pitt, mas as gajas até acham que são - surpreendentemente - sexy.

Tudo isto porque depois há James Murphy, que em "Movement", um dos temas incluídos no disco de estreia dos LCD Soundsystem, canta a linha "It's like a fat guy in a t-shirt doing all the singing". E é. É como um tipo gordo - ou talvez seja melhor usar o eufemismo "entroncado" - com uma t-shirt a fazer a cantoria toda. É realmente o que se passa. Mas para além da cantoria toda existem as maquinetas todas, os instrumentos todos. É como um tipo entroncado com uma t-shirt a fazer a música toda. E é. É sim. O tipo acorda todos os dias, olha-se ao espelho, diz "Eu sou mesmo sexy." e tranca-se dentro do estúdio a fazer a música mais cool que os anos 00 têm para oferecer. Tudo isto sem deixar de ser um tipo entroncado de New Jersey.

Um dia, quando era puto, pegou no piano e aprendeu a tocar. Daí até tocar bateria e tudo o que pudesse em milhares de bandas indie no final dos anos 80 e princípio dos anos 90 foi um passo pequeno. Daí até consumir quantidades industriais de cerveja e ouvir todas as referências que interessam, outro passo. Uns tempos depois encontrou Tim Goldsworthy quando já era homem feito e até tinha barba rija. Tim Goldsworthy era um tipo britânico que colaborou com ele em qualquer coisa no disco XTRMNTR - e é assim que vem na capa, quero lá saber se se chama EXTERMINATOR, eu limito-me a transcrever - dos Primal Scream. Por um acaso qualquer, viram que até eram gajos fixes e, depois de uma experiência com ecstasy, decidiram começar uma editora. O resto é pura história do pós-punk indie milenar. A DFA tem milhentas provas dadas, e o trabalho de James Murphy e Tim Goldsworthy como produtores está bem documentado num punhado de discos de gente como os Rapture ou os Radio 4 e em remixes de gente como as Le Tigre, os N*E*R*D ou os Junior Senior. E nos últimos anos nos LCD Soundsystem, a one-man-band de James Murphy, que tem lançado single após single de puro deleite dançável, e agora lança o seu disco de estreia. É de notar que por alturas do novo milénio James Murphy começar a ficar farto das coisinhas estúpidas da cena indie do seu tempo. Depois de anos a rodar a América toda em carrinhas Volkswagen minúsculas, percebeu que a cena toda supostamente feita por tipos que eram gozados na escola e no liceu afinal eram tão maus e estúpidos como os tipos que troçavam deles. Não é bem assim, claro, mas acaba por ficar giro falar assim. E então no novo milénio, com os putos todos e os seus programas de peer-to-peer, os seus leitores portáteis de mp3, o seu conhecimento enciclopédico de toda a boa música de sempre e a sua consequente armação aos cucos por causa disso, James Murphy tinha mesmo de actuar. E pronto, assim nasce "Losing My Edge", um dos melhores singles dos últimos anos. Tendo como lado B "Beat Connection", "Losing My Edge" chega e diz a todos: "Eh pá, esqueçam lá essa cena de serem mais fixes que todos os outros. Se gostam, gostam. Se fazem música, que façam. Não sejam palhaços e façam música pela música, não pelos amigos. Não finjam que estavam lá porque não estavam." Foi mais ou menos isto. E ainda conseguiu mostrar quais eram as suas referências, aquelas referências que deviam ser basilares para qualquer um. This Heat, Pere Ubu, Outsiders, Nation of Ulysses, Mars, The Trojans, Black Dice, Todd Terry, The Germs, Section 25, Althea and Donna, Sexual Harrassment, A-Ha, Pere Ubu, Dorothy Ashby, PIL, The Fania All-Stars, The Bar-Kays, The Human League, The Normal, Lou Reed, Scott Walker, Monks, Niagra. Tudo isto e ainda piscava o olho aos Suicide e aos Daft Punk.

E são os Daft Punk que dão o mote para LCD Soundsystem. "Daft Punk is Playing at My House", existe alguma maneira melhor de começar um disco de estreia do que dizer que os Daft Punk estão a tocar em casa do artista? Baixos funky, cheios de groove, uma voz anasalada, a lembrar tanto Mark E. Smith dos The Fall como Jonathan Richman dos Modern Lovers, e até um solo de cow-bell. Quem é que podia querer mais numa faixa introdutória? "Tribulations" devia ser o grande êxito das pistas de dança dos próximos tempos. Sintetizadores ultra-cool e um "Ahh-ha-haa" brilhante. Não há melhor. "Movement" é um chamamento para toda a gente, para começar qualquer coisa. "It's like a discipline without the discipline of all the discipline". Começa com um sintetizador, sendo impossível conter os espasmos ao som da batida, começamos a ouvir algum feedback e logo a seguir entra guitarra-baixo-bateria no verdadeiro espírito punk. E é impossível não dançar. É mesmo. É fisicamente impossível não dançar. "Never as Tired as When I'm Waking Up" prova mesmo que as gajas curtem James Murphy. É uma balada beatlesca sobre não querer ter sexo de manhã, por tudo aquilo que isso implica. Não querer apaixonar-se, não querer ter sentimentos. "Disco Infiltrator" tem umas melodias bonitas e alguns pára-arranca que só podem provocar espasmos. "Bear in mind we all fall behind from time to time", um quase-refrão em falsete. "Great Release" é Brian Eno vintage e a forma perfeita de acabar um disco. Percussão e um piano dando acordes espaçados, só no fim é que explode, e mesmo assim nada tem a ver com o resto do disco. A pista de dança fechou e é tempo de ir para casa.

LCD Soundsystem tem as canções, as batidas, os sintetizadores, os falsetes, os talentos de produção e o carisma para ser um grande disco. E até vem com um segundo CD bónus com todos os singles antigos da banda-que-só-é-banda-ao-vivo. Porque James Murphy tem a cabeça para homenagear e não imitar os seus heróis, criando algo de quase novo. Num dos singles anteriores ao disco, "Yeah", Murphy queixava-se: "Everybody keeps on talking about it, nobody's getting it done". Mas ele estava. James Murphy estava e está a fazer coisas. Não há nada mais bonito do que ouvir um tipo entroncado com sinusite a fazer música. E até os outros entroncados dançam.


Rodrigo Nogueira
rodrigo.nogueira@bodyspace.net
21/02/2005