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DJ Olive Buoy

2004
Room 40


A que frequência sonora o líquido passa a ser gasoso? Da semente que DJ Olive plantou brota agora um fruto aguado a ser sorvido ininterruptamente. A romã de João César Monteiro evapora-se num prisma da realidade que só ao Génio pertencia. Buoy é o fruto-gambuzino: desaparece no momento em passa a existir.

Podemos escutá-lo na esperança de que Natalie Portman (no seu apogeu virginal) se materialize diante de nós. Que nada se espere do palpável, pois um monolítico de ambient como este (inclui apenas uma faixa que dura à volta de uma hora) será sempre uma viagem dentro da viagem, o rebento resultante de um casamento entre uma Matrioska e Willy Fog. O Garrett que não abandona o quarto, passa, na era do "laptop", a ser o DJ que necessita apenas da maquinaria básica para proceder à projecção lactiforme do seu sonho.

Buoy é a âncora firme que regista e mapeia as ondas que passam neste oceano de sugestibilidade e contenção. Apenas duas coisas ocorrem em simultâneo: a inamovível âncora que serve de metáfora e o liquido amniótico que lhe serve de meio. DJ Olive prescreve Buoy como um sonífero. Um embriagante bálsamo capaz de aveludar a semi-consciência que antecede ao sono. Os efeitos são garantidos.

Aos mais pacientes estão reservados picos de clímax ocultos comparáveis - apesar do contraste - àqueles com que os Mogwai nos fazem delirar em Young team. Porém, os fantasmas que Olive (Grego Asch no B.I.) invoca têm uma forma, mas padecem de um rosto. Fica a cargo de quem escuta atribuir-lhes uma expressão. O sorriso que desarma o pinguim pode parecer uma ameaça aos olhos do urso polar. Os pólos deixam de ser opostos em Buoy para se unirem num ténue cinzento.

Olive sabe perfeitamente como dispor os elementos. Faria de uma aldeia a capital do mundo no "Sim City das Emoções". O arquitecto pós-moderno, que acompanhava Kim Gordon e Ikue Mori na desfragmentação urbana de SYR 5, dispõe agora de uma abrangente variedade de espaços abertos aos quais pode acrescentar o que bem quiser. Os primeiros minutos levam a crer que Olive se preocupa com o bem estar das criancinhas, pois constrói logo de início um parque infantil. A esperança mora por aqui.

Camada após camada, sample arrastado até à cauda do sample seguinte, o virtuoso DJ edifica uma complexa utopia alicerçada na luz e sombra procriadas pelo delay. Utopia que, como a História já comprovou, é um termo tão discutível como "amor" ou "arte". O que ao ouvido de fulano pode soar a elegante, corre o risco de com nada se parecer perante a percepção de sicrano. Ao meu soou-me a melhor disco "João Pestana" do ano.


Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
07/12/2004