Há coisas que me tiram o sono. Ficar a par da eventual colaboração entre Page Hamilton e Gavin Rossdale (sob a designação de Institute) durante plena madrugada de determinado Domingo deixava pendente a ameaça de vir a ter pesadelos. Perdoem-me os admiradores (ou sobreviventes) de Bush, mas sou incapaz de encarar com seriedade os lamentos sentimentais de alguém que uniu a sua vida à de Gwen Stefani. Tal como ainda hoje estou para perceber o que levou Steve Albini a produzir Sixteen Stone. O cruel destino aponta para um primeiro álbum a solo de Rossdale a ser lançado em breve. Institute ou não, Page Hamilton é presença certa. O olhar já vagueava tristonho pelas pedras da calçada, quando, do nada, surge um novo disco dos Helmet. Size Matters fez com que todas as lâmpadas se acendessem para logo se fundirem. Os Helmet - tal como os conhecÃamos - mudaram. Permitam-me fazer a distinção entre azeite e vinagre.
Algo de particularmente primitivo na essência dos Helmet tornava-os reconhecÃveis após apenas 15 segundos de escuta. A memória responde prontamente à combustão de peso que satisfaz uma necessidade básica indeterminada. Não são necessários muitos neurónios (embora nada aqui vise estupidificar) para assimilar e, dependendo do gosto de cada um, apreciar a colheita Helmet vintage 1991-1997. O proto-metal com que cunharam dádivas de peso como Meantime e Betty viria a ditar uma preciosa parte das coordenadas a serem exploradas pela turma nu-metal. Os resultados trágicos ainda hoje se fazem sentir (os Papa Roach têm novo disco), mas nada disso terá a ver com a primordial sonoridade que trouxe a admiração quase consensual aos Helmet.
Conseguiam agradar ao skater de pala para trás como ao metaleiro mais ortodoxo. Não esqueçamos que a banda nova-iorquina
disputava taco a taco o exigente campeonato "Headbanger's Ball" de há uns anos (ainda te amo, Vanessa Warwick), e os seus membros nem sequer tinham o cabelo comprido como mandava a etiqueta. Permanentemente essencial no olear da engrenagem rÃtmica, o singular riff de Page Hamilton passava um atestado de vitalidade a uma década que disso bem necessitava. O tal riff inconfundÃvel que é disparado com a convicção de uma bala em duelo ao sol. Vida ou morte, e o pistoleiro Hamilton quase sempre acaba de pé. Só após escoada toda a areia para a parte inferior da ampulheta, poderemos estabelecer o lugar de Hamilton na escala dominada por lendas do riff como Iommi and Jimmy Page. Até aqui, pelo menos, havia a certeza de que os Helmet honravam a big apple entre os pesos pesados da passada década. Até aqui...
Ao nome destes renascidos Helmet faltam apenas as asas para ganhar o aspecto alado "à Aerosmith", e pronto estará para os palcos dos grandes estádios. A ambição é saudável, desde que não comprometa desavergonhadamente uma identidade consagrada e reputação acumulada ao longo de largos anos.
Os verdadeiros Helmet perderam-se na bruma que os envolve na capa de Aftertaste. A amálgama mal amanhada que temos aqui conta com os dois guitarristas da anterior formação - Page Hamilton e Chris Taynor - e uma secção rÃtmica renovada - John Tempesta (baterista) e Frank Bello (baixista). Junte-se a um tom rock generalista o agravo de todas estas músicas parecerem talhadas e produzidas para agradar ao público que tem saudades dos Creed, e fica-se com ideia do potencial traumático de Size Matters. A verdade está aqui: Hamilton depende, mais do que se poderia julgar, dos seus pares. Sem intervir sequer no disco, quem ganha com o mais recente lançamento dos Helmet é John Stanier - o ex-baterista e senhor de uma carreira cada vez mais sólida nas fileiras de Tomahawk e Battles.
Quando o refrão de "Smart" impele a uma careta, espera-se o pior. Adormece durante o respeitável (e respeitoso para com o passado) "Crashing Foreign Cars", mas o pior logo surge em "See You Dead", que não destoaria se inserido na fase "Load" dos Metallica. "Enemies" funde um solo reminiscente dos dias do hair-metal com um refrão à altura de um coro de vozes embriagadas em happy hour de bar irlandês. Sucedem-se os descalabros, vai-se evaporando a esperança. "Surgery" brilha entre o lamaçal, mas convence da forma mais fácil: refrão automaticamente cativante. "Speak and Spell" recupera alguma da esperança Skywalker, que cultivamos ingenuamente, para depois se revelar uma variante da faixa anterior.
É escusado beliscarem-se, o disco na berlinda pertence mesmo aos Helmet. Ou ao pouco que resta deles. O seu primeiro efeito é o redobrar da vontade em ouvir os discos anteriores do colectivo. Size Matters não torna legÃtimos crimes passionais como a penhora da discografia da banda por tuta-e-meia. Em suma, assume-se como um registo competente, sofisticado, onde nem sequer faltam os riffs de marca de Hamilton. No entanto, não serve como termo de comparação face a um legado que, intocável, jaz a anos de luz do que aqui escutamos. O tamanho importa de facto, assim como o número de dÃgitos inscrito num cheque.