Desiludam-se os piromanÃacos, bem aventurados sejam os sedentos de calmaria de sabor a algodão doce. Façam um ligeiro esforço para esquecer aquelas imagens de ataques terroristas que vimos vezes sem conta, adiante só mesmo o infinito embalar da melodia existe. Pensem em como é agradável contar Smarties, recuem até à quela tarde passada a contemplar a chuva persistente na intenção de atravessar a vidraça da janela. Cá dentro, apenas o calor da coberta bordada com estranhas figuras que se assemelham a animais e toda a graça do mundo condensada num momento na companhia dos Coastal.
Após devido exercÃcio de trapézio, onde cada EP ou sete polegadas serve como mais um passo em direcção ao equilÃbrio necessário para malabarismos mais arriscados, surge o primeiro longa-duração homónimo.
Uma habitação funcional constrói-se pela base, e esta tem nome: Halfway To You (o segundo álbum), novo motivo de orgulho para Utah (cidade que os viu nascer) e encantador postal enviado a partir de um qualquer local idÃlico de uma América onde a paranóia não existe. O remetente dá pelo nome de Words-on-music, cativante viveiro de iluminados indie sediado em Minneapolis.
Um par de passagens meteóricas pelo conceituadÃssimo John Peel Show e a rotação numa rádio nacional espanhola foram pontificando a vagarosa ocupação do território europeu por parte dos Coastal. Formadas as expectativas, que oferendas podemos esperar de Halfway To You? Além de tudo, o disco perfeito para passar o resto dos dias perdido numa sonolenta ociosidade forrada a angorá. Luisa Gough canta como a criança que ora por um dia de sol. Leva-nos a pensar que pode estar possuÃda pelo espÃrito de Julee Cruise - perdida nas matas de Twin Peaks vestindo apenas um véu. O ritmo sincopado da bateria troca cândidos olhares com a guita discreta para que esse flirt culmine com ambos a rebolarem no esplendor da relva.
Transporta uma melancolia que não pesa na alma (é Elliott Smith que manda nessa área), mas que tece um sentimento semelhante ao que advém do latido de um cãozinho eléctrico que o feirante tenta vender ou de um amontoado de cassetes VHS à venda por uma ninharia numa montra empoeirada. Uterino na sua fluidez, levita, por meio do seu feeling acústico (e tudo o mais que contribui para a sua imensa ternura), como um descontraÃdo faquir sob cama de pregos que, afinal, são apenas penas de ganso bravo. Quando alcançados os melhores resultados de eficácia, Halfway To You acaricia o aparelho auditivo da mesma forma que as nuvens filmadas por Gus Van Sant satisfazem o olhar.
Para que ninguém se perca entre as montanhas de deleite, aqui ficam dois pontos de referência (meras interpretações minhas). "Eternal": desgosto amoroso sob fogo de artificio de Reveillon (as doze passas acabam na sarjeta). O ambiente resgata as melhores memórias de Adore aos Smashing Pumpkins (ok, sejamos francos, o disco
pertence quase exclusivamente a Billy Corgan). Por sua vez, o tema-tÃtulo amplia os sete segundos que separavam Youssou N'Dour de Neneh Cherry até quatro minutos plenos de sensualidade à flor da pele, tão frágil quanto a melodia perfumada que Lisa Cough vai extraindo ao teclado.
Halfway to you é o sorriso de Mona Lisa estampado nos lábios de uma criança que pode ou não nascer após um par de escutas. Pertence no leitor de CD de todos aqueles que acreditaram na boa vontade de Amélie Poulain. Alberto Caeiro gostaria de um disco como este. A meio caminho de se tornar um clássico menor.