Teria sido de uma crueldade extrema se Viagem Interior, o álbum anterior de Homem Em Catarse, tivesse sido lançado nesta época de isolamento e distanciamento, pois que o seu propósito é precisamente o da aproximação e o da descoberta incessante pelo misticismo que espreita em locais esquecidos pelas metrópoles. Quis o destino, que tem o nome de Afonso Dorido, que um dos nossos companheiros para a quarentena fosse ao invés Sem Palavras | Cem Palavras, que nos obriga a aquietarmo-nos no mesmo sÃtio e a fazer precisamente o que o tÃtulo indica: sem falar, pensar em tudo.
Não quer isto dizer que não possamos viajar a bordo do disco. "Hey Vini!", tributo ao grande mestre que há quarenta anos construiu a mais resistente das colunas, pega em loops de auto-estrada e coloca-nos rumo ao assombro somente ao alcance das grandes escarpas. Se Maomé não pode ir à montanha que venha a montanha a Maomé, ou algo do género - mesmo que o lamento pela falta de alento fÃsico salte aos ouvidos com a guitarra de "Lembro-me De Ti...".
Este é um álbum solitário e solidário para com todos aqueles exaustos pela solidão, um olho-de-boi que se pendura nas colunas ou nos headphones para afastar pensamentos malignos. Sim, há a melancolia - uma melancolia bela, quente, que nos leva psicogeograficamente pela mão em ruas do amor antes de nos fechar em casa, rodeados por pássaros que anunciam o dia de amanhã. Porque o amanhã chega, sempre.