A juventude sónica deixou de ser juventude. Os rapazes Beastie já são homens. E os miúdos? "The kids are alright", diria Pete Townshend se lhe fosse dado a escutar o novo disco dos responsáveis por uma das mais representativas polaróides do panorama musical de 1999: Something to write home about - ainda hoje digno do merecidíssimo culto de que goza em determinados círculos. On a wire revelar-se-ia um desastre quase poético, mas, avaliados os danos, chegou-se à conclusão de que por vezes é necessário recuar dois passos de maneira a avançar um. Seguir a lógica do caranguejo para que a música surta o efeito desejado. A triste sina do crustáceo bateu à porta de uns Get Up Kids que aparentavam estar destinados a uma continuidade em regime de eutanásia. A coisa esteve mesmo por um fio.
Os dois últimos lançamentos monitorizados por Pryor evidenciavam o dilema de um autor menor perdido entre processos criativos que calculo serem distintos: um On a wire dos Kids, impregnado por uma cada vez mais evidente sensibilidade campestre pertencente aos New Amsterdams (projecto secundário de Mathew Pryor), que, por sua vez, acrescentavam uns pozinhos de power pop - que até aqui só reconhecíamos aos Kids - ao último Worse of the Wear. Guilt show veio desatar o nó criativo e livrar os seus autores do marasmo (e correspondente esquecimento) por meio de um confiante passo em direcção a uma das saídas da encruzilhada: pela mão do instinto e com um camaroeiro de novas possibilidades no lugar do coração, compor música sem temer a pressões.
O verso oculto do carimbo EMO, desde tenra data associado aos Get Up Kids, relega para um segundo plano os choradinhos românticos inconsequentes em prol da sinceridade enquanto cristalização das emoções. E é de facto desarmante a sinceridade com que a banda homenageia os seus heróis omnipresentes: os Superchunk. Acreditem que basta pegar em Come pick me up - altamente recomendável disco dos citados Superchunk - para dar conta de que os Kids assumem sem pestanejar a influência daquela que é a sua referência máxima. Agora mais que nunca. Será viável censurar uma banda por tão franca homenagem a uma instituição cujo preciosismo na escala indie conhece escassos termos de comparação além dos sagrados Pavement (também eles têm direito a breve cameo referencial em "The one you want")? Afinal, o faz-de-conta é essencial à infância.
Não há como apontar o dedo a tão zelosos operários da pop mais adequada a tardes de Sábado. Tal como uma só tarde pode comportar uma série de episódios, também um disco assinado por Pryor pode compreender múltiplas ocorrências e respectivos tons. Seja o pacto selado por um sorriso de "Wouldn't believe it" (com direito a interlúdio lounge-bossanova) ou a charada insolúvel enquanto power-pop simétrica cantada em "How long is too long?". Mais do que dissecar as temáticas, importa salientar o teclado que, como nunca, ilumina os instrumentos circundantes e o imenso à vontade de um Matthew Pryor que, apesar de prolífico e esporadicamente genial, ainda não lhe viu ser reconhecido o estatuto de songwriter.
Provavelmente por ser tão clean (como se de uma actualização de Morrissey se tratasse). Se tivesse barba e desse entrevistas descalço, estou certo de que algum crítico iluminado já o teria baptizado como o Bob Dylan da geração low-profile, a que não se conhece outra pose que não a das mãos no bolso e olhar fixo no acaso.
A quem procura imaculada originalidade recomenda-se que bata à porta da casa vizinha. A inovação já não mora aqui. Os Get Up Kids são o Ícaro que viu as suas asas derreterem à passagem do milénio. Guilt show - o mais sincero e natural disco da banda - bem pode ser o pára-quedas que veio ou não salvar esta miudagem de doloroso impacto.