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Gruppe 101 GI2FFM / Lost Tapes Of 10​-​O​-​10

2019
Pinkbox Teleport


Ninguém gosta de spam. Ninguém gosta que lhe digam que o seu pénis precisa de aumentar de tamanho. Ninguém gosta de ter príncipes africanos a pedir uma transferência bancária de forma a libertar enormes fortunas, as quais partilharão posteriormente connosco. Ninguém gosta de chineses a vender computadores, placas gráficas, smartphones, até molas e colchões. Ninguém gosta de saber que, vá-se lá saber como, um qualquer hacker estrangeiro viu-nos a masturbarmo-nos através da webcam, e quer agora extorquir-nos e/ou chantagear-nos.

Ninguém gosta de spam, e é por isso que se criou uma caixinha própria para o spam. A estética deste tipo de e-mails é quase sempre a mesma: inglês macarrónico, tipo de letra incomum, colorido, links para websites ou proibidos ou perigosos, um porradão de contactos ali em cima, junto ao nosso. Perguntamo-nos como foi possível que o nosso endereço fosse parar às mãos destes idiotas, juramos nunca mais pôr os pés na Internet, maldizemos a falta de privacidade com que somos brindados todo o santo dia.

Mas há spam e há spam. De vez em quando, aparece-nos na caixa de entrada um daqueles e-mails com títulos tão bizarros que, mesmo sabendo que não vai dar em nada ou em algo muito pior que nada, abrimo-los. E o que encontramos é suficiente para resgatarmos o pobre e-mail da caixa de spam, embrenharmo-nos a fundo num mistério que não julgávamos existir numa era em que nada é mistério e tudo está ao alcance. Quem é esta gente? De onde veio?

No caso, o mistério é o Gruppe 101, que podia ser o nome de uma claque qualquer do Schalke 04 mas que é, alegadamente, pioneiro na cena rave alemã. "Alegadamente", porque é isso que o e-mail indica, e o Google desta vez não ajuda. O título do e-mail: If I wanna get drunk, I can go to bar and buy a beer!, que é uma espécie de paga finos! com muito menos queda para a pobreza e a cravadura. O corpo do e-mail: o Gruppe 101 fartou-se da 303, tornou-se numa "lenda do underground", teve os Belleville Three a bater-lhes à porta e contou nas suas fileiras com um tal de Wolfgang Voigt. E não é tudo; anos e anos mais tarde, estas faixas que compõem GI2FFM / Lost Tapes Of 10​-​O​-​10 foram resgatadas a um incêndio e encontraram casa numa pequena editora do Louisiana.

Há que encarar toda esta informação with a grain of salt, como dizem os ingleses, até porque esta era também é a das fake news e quem quiser inventar o que seja transmitindo-o como verdade sabe que, algures no mundo, um parolo qualquer irá acreditar nisso (e é por isso que temos fascismos, gente anti-vacinação, terraplanistas ou benfiquistas). Não é certo que o tal Gruppe tenha toda essa história e todas essas conexões. Aliás, não é certo sequer que exista.

Mas a história podia ser pior e nós até gostamos de um bom mistério. Não foi assim que Sia lançou êxito atrás de êxito? Não é assim que Burial mantém uma aura quase milagrosa? Não é assim que H.E.R. se deu a conhecer ao mundo? É como aquela velha discussão: porque é que uma mulher de mini-saia ou de bikini é infinitamente mais atraente, aos nossos olhos e à nossa psique, que uma mulher nua?

A sombra alimenta. No caso, talvez seja possível especular um bocado, e provavelmente não estaremos muito longe da verdade: o Gruppe 101 é uma invenção de um artista qualquer e todos os nomes aqui presentes nesta espécie de compilação são, na verdade, um só - sem que se saiba quem é e sem que se queira dizer quem é. Porém, o facto de o e-mail ter um outro endereço além do nosso - o de Laura BCR, DJ e produtora francesa residente em Berlim, e que recentemente até fez um mix para a Rádio Quântica - poderá ajudar a resolver esse dilema.

Porque é que foi preciso recorrer ao nevoeiro para mostrar algo é outra questão. Uma que, na verdade, não interessa; é mais saboroso ouvir isto assim, techno com desejo de underground, lascivo, maquinal, impenetrável, house reduzido ao mínimo denominador comum, o 4/4, o suor a cair e os corpos a bater. Não é feito para passar em discotecas, mas em raves ilegais, sistemas de som brutais, tudo aquilo que alimentou imaginações nos anos 90 e que já não pode existir sem ser nostálgico. Não é feito para ser conhecido, e apenas para nos encantar - aliás, esta review prejudica, porque está a espalhar a mensagem, e pode levar alguém a querer cumprir o papel de detective a 100%. Esperemos que não. Façam de conta que é spam. E, pela saúde do vosso computador, não cliquem aqui.


Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com
30/09/2019