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Rufus Wainwright Poses

2001
DreamWorks


Num qualquer dicionário de Português, o termo <<cantar>> apresenta a seguinte definição: "soltar, com a voz, sons musicais". Mas, cantar será só isto? Quando cantamos apenas conjugamos sons musicais que na sua junção, fazem, ou não, uma música agradável? De facto, cantar não pode nem deve ser suportado por uma definição tão breve e sucinta, que apenas representa parte da verdade. Rufus Wainwright canta. Mas canta soltando sons musicais que se conjugam com sentimentos de dor, amor e saudade que provêm quer da sua adolescência, com os naturais "problemas" que dela provêm, quer da sua vida já adulta. Se o termo "cantar" tivesse uma definição tão incompleta como a que os dicionários nos servem, eu não estaria a escrever estas linhas, a música não seria alvo da paixão que meio mundo lhe dá, o fado não existia... E nós éramos menos felizes.

Rufus Wainwright nasceu em 1973, e é filho de Loudon Wainwright III e Kate McGarrigle. Ambos os pais eram já ligados &agrave; musica, pelo que o filho desde cedo começou a ter um grande contacto com os sons. Nasceu em Nova York, mas foi no Canadá que passou grande parte da sua vida, chegando mesmo a ganhar um Genie (o equivalente Canadiano aos Oscars) para melhor canção num filme e a ser nomeado para um Juno (o equivalente Canadiano aos Grammys) para a categoria de artista jovem com melhor futuro. O pai, Loudon Wainwright III, era um cantor escritor ligado ao "folk", chegando a atingir em Nova York um grande estatuto e a mãe era uma das metades do duo McGarrigle Sisters. Separaram-se quando Rufus Wainwright ainda era novo, pelo que ele ficou a viver com a mãe no Canadá onde foi musicalmente formado por ela. Grande parte das suas qualidades musicais (que não são, diga-se, poucas) provêm em grande parte dessa altura. Apesar de viver com a mãe, sempre se confessou grande admirador da música do seu pai, chegando a haver em "Poses" uma versão dum tema dele. Igualmente admirador de ópera, é dela que retira a carga de tristeza e encenação de vida que está bem presente na sua música.
Rufus Wainwright é dos poucos artistas da sua geração que consegue, de uma forma extremamente talentosa, fazer uma música sublime, no limiar do perfeito. Nota-se nessa música inúmeros traços da juventude, desde uma grande ingenuidade até uma pureza que, apesar de mais notadas no primeiro álbum, atingem neste "Poses" um ponto de convergência encantador. Rufus comunica os seus sentimentos de solidão, de dor e de tristeza por entre melodias que encantam, mas que contrariam em grande parte esses sentimentos. Os seus sentimentos pertencem-lhe, pelo que devem ser comunicadas de uma forma não muito latente e que se confunde com a sua música. Rufus Wainwright revela dor, mas não revela dor no seu estado brutal, não é uma dor cinzenta, revela-a sempre por entre arranjos belos que a dissimulam. E é neste aspecto, na utilização de filtros que transformam a sua música cheia de dor e solidão numa música cheia de vida e de alegria, que reside a maior qualidade de Rufus Wainwright e onde o seu génio é nos claramente mostrado.

Rufus conseguiu guardar na sua mente todos os pedaços de vida que passou, as influências que o levaram pelos caminhos do destino, e fê-lo de uma forma que muito se nota (para bem de todos quanto o ouvem) na sua música. Mas não o fez com a pressa de quem quer tudo em pouco tempo, fê-lo de uma forma lenta, gradual, deixando os aromas do que viveu perfurarem o seu corpo com calma e paciência. Rufus não tem um som cor-de-rosa, não aparece frequentemente nos canais mais populares de televisão, não transmite a sua música como quem vende peixe. A sua música é antes de tudo, uma glorificação e "filme" da sua vida. Resulta das diversas "cenas" que experiênciou, dos diversos "takes" que foi repetindo até atingirem uma forma de maturidade e experiência completa e das escolhas do elenco que o rodearam.

Produzido por Pierre Marchand, o álbum conta também com as participações vocais da sua irmã Martha e de Teddy Thompson. As melodias encantam, a melancolia está sempre presente, as letras são maduras e conscientes e a voz, é das melhores da actual cena musical. O álbum é de tal forma seguro, que escolher uma qualquer música para eventual melhor, será sempre um acto inócuo. "One Man Guy" é uma das grandes músicas do álbum, que foi composta por Loudon Wainwright III e que comprova que Rufus Wainwright é também um músico que faz versões de forma exemplar!

"Poses" é dos poucos álbuns que reuniu consenso geral perante a crítica (basta ver as tabelas de melhores álbuns de 2001...) e é um álbum onde a celebração e encenação da vida, dos seus defeitos, dos seus problemas, da dor, a solidão, da tristeza, se nos mostra de uma forma impecavelmente bela. Absolutamente indispensável.


Tiago Gonçalves
tgoncalves@bodyspace.net
29/06/2002