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Jibóia OOOO

2018
Discrepant


Aprendemos a serpentear, ao longo dos anos, com os registos de Jibóia - e a piada faz-se fácil porque era mesmo isso que a música permitia: uma ondulação corporal, mais ou menos constante, fruto dos ritmos e dos riffs que imaginávamos vindos de um Oriente distante e febril, das religiões apenas conhecidas através dos livros. Serpenteávamos quando não sapateávamos. Havia ali algo de exótico, de novo e de cativante, mas que também nos mordia; o veneno provocava um transe profundo do qual parecia difícil acordar.

Chegamos a OOOO e constatamos que todo esse mundo, embora continue algo presente, passou a ser visto quase como que com os olhos de um outsider. Imaginamos que Óscar Silva se fartou das comparações constantes com sonoridades que conhecemos apenas da Bollywood que nunca nos dignámos a explorar; que pegou em tudo aquilo que fez anteriormente e decidiu recauchutá-lo; que deitou fora, digamos, o(s) estereótipo(s).

O resultado é este: um disco riquíssimo e curioso, talvez o mais Europeu que o músico já fez, contando para isso com a ajuda de Ricardo Martins (novamente) e de Mestre André, onde aquele tribalismo dançante se alia à fúria do free jazz para nos dar quatro temas e 34 minutos de um rigor fantástico, como o punk que um dia descobre discos dos King Crimson. Ainda há, claro, oferendas a Deuses incompreensíveis, como em "Diapason" ou "Diapente"; mas é "Topos", a última faixa - e a mais comprida do disco - aquela que salta mais à vista neste contexto de evolução. OOOO acaba por ser uma lição: os rituais não se fazem apenas com o corpo. Também se fazem com a alma.


Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com
18/12/2018