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Yu-Utsu Yu-Utsu

2018
Midwest Collective


Já dizia Wilde que a vida imita a arte muito mais do que a arte imita a vida, e é difícil não pensar nessa velha máxima ao olhar para o regresso em força dos anos 80, com a recente vaga de tensões entre as grandes superpotências (numa espécie de Guerra Fria 2.0) a servir apenas de contraponto “real” para o revivalismo estético e musical a que temos assistido na última década. Mas mesmo que a tirada filosófica do sacana do irlandês nos dê algum enquadramento para a situação, dificilmente nos dará conforto; na verdade, poucas são as coisas que nos conseguem consolar perante a ameaça constante de destruição nuclear que paira sobre as nossas cabeças, ameaça essa que julgávamos ter deixado definitivamente arrumada aquando da queda do Muro e da dissolução da União Soviética.

Dizemos “poucas” porque, apesar de tudo, sempre temos a música para nos ajudar a fechar os olhos, respirar fundo e afastar por momentos a cabeça do apocalipse que nos espera. E é precisamente aqui que entra este Yu-Utsu, disco que, lá está, vai beber (e muito) aos anos 80 e se insere na perfeição na gavetinha mais ambient dessa pequena cómoda que é o chillwave. As referências, muito centradas em Com Truise, nos primórdios de Washed Out ou em HOME (antigo colega de label e autor dessa canção tornada meme tornada portento que é “Resonance”) saltam logo ao ouvido em “Sun”, tema que abre o registo de forma magistral, e mantêm-se presentes ao longo de toda a audição.

Mas até para os menos hábeis nestas lides de detectar parecenças e influências não será difícil encontrar o cheiro a nostalgia pelos anos 80 e pela sua visão de futuro que serve de matéria-prima para faixas como “Slow”, “Endurance” ou “Curius”; os sintetizadores analógicos a transbordar de grão, a percussão subtil, levemente orientada para o bater do pé mas não o suficiente para nos pôr a correr em direcção à pista de dança, as linhas de baixo bojudas e carregadas de tensão, dignas da banda sonora dum qualquer filme fortemente inspirado no Blade Runner, tudo se junta para fazer deste LP um autêntico monumento a esse estranho fenómeno que é sentir saudades duma década que não vivemos, e da melancolia que daí nasce.

“Melancolia” que é, aliás, a melhor tradução que uma rápida e preguiçosa visita aos motores de busca nos oferece para Yu-Utsu (que em kanji se escreve 憂鬱), título que o álbum pede de emprestado ao nom de guerre do seu produtor. Da pessoa que se senta por trás das teclas (e que o Discogs nos garante ser Thomas Takashi O’Malley), de resto, nem uma palavra, nem na música (completamente instrumental) nem nas redes sociais (onde a sua presença é inexistente). Mas não podemos dizer que o silêncio seja incómodo; antes pelo contrário, chega a ser reconfortante, até porque permite que a música fale por si e permite-nos a nós, mais uma vez, fechar os olhos e respirar fundo por breves instantes. E isso, nos dias que correm, acaba mesmo por valer ouro.


João Morais
joao.mvds.morais@outlook.com
24/05/2018