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Bombino Deran

2018
Partisan Records


"Imajghane": ouvimos uma guitarra que percorre, tranquilamente, a vastidão solitária do Deserto do Saara, tal como nos filmes americanos o rock n' roll corre pela Rota 66 sem olhar para trás, apenas à procura de uma resposta a uma pergunta que não se fez ainda - pelo menos em voz alta. Esta visão descreveria, de forma certeira, praticamente toda a discografia de Bombino, e quiçá a dos seus conterrâneos mais próximos, todos os músicos que nos fizeram falar do "rock tuaregue". E continua actual e vigorosa; cada vez mais procuramos e iremos procurar esse escape, falaremos línguas desconhecidas e pisaremos lugares com o coração cheio de saudade.

Não percebemos o que Bombino nos diz, na mesma medida em que todos os não-falantes de português não percebem o que diz Salvador Sobral quando canta "Amar Pelos Dois". Mas percebemos de onde vem. Percebemo-lo pela música, pela entoação na sua voz, pelos ritmos que, à falta de melhor, descrevemos como "africanos". Percebemos que há ali uma saudade e uma busca e que as suas mãos, as mesmas com que toca as cordas daquela guitarra, são tão quentes como as nossas. Que procuram tanto a liberdade como as nossas.

A liberdade de Bombino só será tão real quanto a liberdade do povo tuaregue. Não nos esqueçamos que o músico do Níger viu dois colegas de banda serem executados; que disse, em entrevista, que a sua guitarra era "um martelo com o qual construir a casa do povo tuaregue"; que teve de viver no exílio até poder voltar à sua querida pátria. Tenhamos isso em conta, e tenhamos também em conta que o blues de Bombino, como todo o blues, é uma expressão das suas agruras - mesmo que o resultado final possa soar, a um ouvido ocidental, bastante convidativo à dança. Mas é sobretudo algo de poderoso, quer seja "Imajghane", o reggae de "Tehigren" ou o cântico de "Adounia Idagh" a mostrar-nos isso mesmo. Há sempre alguma luz no meio da escuridão.


Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com
17/05/2018