Ei-lo: o sol de Março, o que limpa a doença deixada pelo inverno (tanto a do corpo como a da mente), que faz com que as sementes rebentem e cresçam, que arde no rosto, um ardor saudável e jovial, que nos leva a fechar os olhos em regime de sonho bom; ei-lo, Sol De Março, o último tomo da trilogia Medeiros/Lucas, banda que anda desde 2015 a ensinar-nos que, não muito longe de nós, há um arquipélago onde a poesia nasce e se torna canção viva. E logo aí encontramos um certo paradoxo.
Temos o sol de Março como sinal de renovação, de novo início, mas este é o fim de uma história que começou a ser contada com Mar Aberto e Terra Do Corpo. Soa a como se a viagem tivesse terminado, como se já tivéssemos atracado em terra desconhecida após anos e anos no mar. E há uma tristeza nesta música e nestas palavras, um tremor do coração; a ânsia de ver tudo num lampejo, sem que haja tempo para mais, a saudade já durando mesmo antes do planeamento da viagem.
Claro, há a vontade de fugir da morte, essa parvoíce pintada de preto. Não precisa de ser uma morte literal; pode ser figurada, da trilogia, da banda em si, da música, da poesia, dos Açores - e será este disco dos Açores quando é, de todos os discos de Medeiros/Lucas, o menos circunscrito a esse arquipélago, seja em som ou em imagética? A música bebe de tudo: electrónica, jazz, canção portuguesa, o bom e velho rock n' roll, ruído e silêncio. Bebe de tudo e regurgita nada.
Nesse sentido, Sol De Março será o álbum mais completo da banda até à data, o despertar real de um projecto que parece, agora, querer rejeitar essa aura exotica de ter nascido das mentes de dois jovens (sim, dois) oriundos do meio do oceano. E nem tudo nele é escuridão ou angústia: há também o bailado de "Elena Poena" e "Em Condicional", ou a guitarra veraneante de "Galgar". A grande questão é: que haverá depois disto?