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Javier De Torres Inmersión Radical En La Melancolía / Permanent Monday

2018
Altafonte


O pop/rock é uma invenção americana, aperfeiçoada pelos ingleses, acidificada pelos alemães e elevada ao volume máximo pelos japoneses. Claro, há muitas outras nações que têm partilhado, ao longo dos anos, a sua própria visão do género, fundindo-o com estilos mais tradicionais ou cantando nas suas próprias línguas. Ainda assim, é difícil fazer com que uma canção pop/rock soe minimamente sem ser cantada em inglês, e qualquer curiosidade remota nessa mesma canção advém do facto de aparentar ser algo exótico. Quando a língua cantada é uma que nos fere os ouvidos, então, é dificílimo.

É esse o principal problema com Javier De Torres, músico madrileno de cariz indie que editou no início deste ano não um, mas dois discos novos. Um deles, Inmersión Radical En La Melancolía, é cantado na sua língua materna de uma ponta a outra, trazendo de imediato más memórias de pragas bíblicas em festivais de música portugueses, o tipo de pragas que não é capaz de manter a puta da boca fechada ou sequer de falar baixo durante todo o espectác-... Mas talvez isto seja xenofobia. Alguma. Quem nunca disse nada assim que atire a primeira pedra.

Xenofobias à parte, não é muito fácil começar a defender Javier De Torres, especialmente quando ao ouvi-lo cantar na sua língua uma baladinha ternurenta e xaroposa ao piano ("Mi Riqueza") só conseguimos pensar nos Enriques Iglesias desta vida - o que não é de todo bom sinal. Mas depois o registo muda. Há um shout-out simpático a Oscar Wilde no tema a que o escritor dá título, há um verso com piada na pop/folk orelhuda de "Indecoroso" (Soy artista y quiero ser burgués...) e até, para acalmar os nossos corações patrióticos, uma referência a Portugal no tema-título.

Saímos de Inmersión Radical En La Melancolía a pensar duas coisas. A primeira, a de que é um disco absolutamente inconstante; ora há momentos em que achamos que Javier De Torres até é capaz de se safar decentemente nestas coisas da música (ouvir os instrumentais de "Cartas De Ruptura" ou de "Derecho Romano", por exemplo), ora há outros em que o queremos atirar para o mesmo incêndio para onde deveríamos ter atirado os Héroes del Silencio, quando tivemos de levar com eles nos anos 90. A segunda, a de que felizmente o disco não chega a 25 minutos, pelo que não precisamos de perder muito tempo com ele.

Só que, afinal, havia outro: Permanent Monday, disco este absolutamente cantado na língua de Shakespeare, e no qual Javier De Torres nos prova que um artista espanhol a cantar em espanhol não consegue ser tão irritante quanto um artista espanhol a cantar em ingl-... Não, já chega de xenofobia, não era? Até porque Permanent Monday segue exactamente os mesmos moldes de Inmersión Radical..., sendo composto por baladas xaroposas, canções com melodias fofinhas ("Permanent Monday", "My Best Friend's Girls") e a ocasional aberração.

Curiosamente, não é tão interessante quanto o seu irmão gémeo de mãe-língua diferente - porque não é possível odiá-lo com o mesmo grau de visceralidade, e porque nenhuma das suas canções fica realmente no ouvido, como acontece, paradoxalmente, com Inmersión Radical.... Se calhar, se Javier De Torres tivesse juntado os dois discos num só e cortado o caruncho, poderia ter feito um álbum interessante - um objecto que pudesse levar-nos a voltar a ouvir música cantada em espanhol europeu, que não feita pelos Esplendor Geométrico. Assim, dividido em dois, para ser duplamente irritante (e Permanent Monday até nos ajuda mais, porque tem menos três minutos), só nos leva a clamar de novo por Olivença. Que é nossa, coños.


Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com
14/03/2018