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bow church Canon

2018
thewit.ch


Só os putos que nasceram em finais de anos 80 é que sabem: demasiado novos para chegar a tempo ao grunge, velhos o suficiente para apanhar todas as transformações subsequentes, são eles quem viveu verdadeiramente os anos 90 - dar de caras com a acção e o cenário apocalíptico do Exterminador Implacável 2, decorar as melodias de todos os níveis dos jogos do Sonic para a Mega Drive, ouvir nas rádios e na MTV a electrónica eurodancey e os grandes sucessos rave que nunca o foram, antes de descobrirem as guitarras lá mais para o final da década.

Tiveram o privilégio de apanhar com a Internet e de crescer com ela, souberam mexer-se nos meandros da cultura pop e absorver tudo aquilo que viam, são millenials mesmo antes de saltitarmos de conversa em conversa com esse termo na boca, muitas vezes usado de forma pejorativa. É provável que David Whiting, nascido em 1988, perceba muito bem aquilo que estamos a escrever; porque foi, também, de tudo aquilo que se mencionou que na década dos zeros nasceu o witch house, que teve uma vida tão longa quanto uma story no Instagram.

Não que tenha morrido; simplesmente, soube adaptar-se. Foi experimentando com o que não conhecia do passado e foi-se recauchutando para o futuro. É mais ou menos isto que encontramos em Canon, o novo álbum de Whiting enquanto bow church, que já não anda tanto por trilhos chopped & screwed - como no witch house - mas sim pela inevitável estrada da rave enquanto experiência cinéfila, que se percorre quando a erva começa a não saber tão bem nos lábios quanto o E.

Construído a partir de paisagens negras quase trance na sua abordagem, ritmos pesados e a ocasional melodia (muita atenção a "Remedy", que contém praticamente isto tudo), Canon, mesmo que não se vá tornar canónico, é um daqueles álbuns que dá um prazer enorme de ouvir porque compreendemos de onde vem: do mesmo sítio que nós, da mesma infância, dos mesmos gostos e descobertas. Ser um dos poucos álbuns com um pé no ambient mais desolador, sem ser aborrecido de todo, também ajuda. Venha daí a revolta das máquinas.


Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com
05/03/2018