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F Communications completou dez anos e, para comemorar o feito, decidiu oferecer
como prenda aos seus fĂŁs mais pespegados, tal como a toda a gente que gosta
de boa (?) música, o segundo álbum de Fred Magnon, geralmente apresentado
com o nome de código Avril. Havia sido já a editora de Laurent Garnier a acolher
e distribuir o primeiro disco do promissor produtor e multi-instrumentista
parisiense, que ganhou inclusivamente o Prix Constantin – aquilo que, em França,
equivale ao Mercury Music Prize do Reino Unido – com o seu disco de estreia, That Horse Must Be Starving.
Avril Ă© aquilo a que se chama um artista de estĂşdio. Passa horas em cadeiras
confortáveis à frente das linhas do laptop e é aà que busca sempre mais sentido
para aquilo que se propõe a fazer e onde procura alcançar os objectivos que
regem quase sempre uma vida. Para além disso, tomou consciência que uma imagem
de modernidade, arrojo e pioneirismo sĂŁo importantes perante os ouvintes de
mĂşsica em geral, e os media em particular, tanto que nada Ă© deixado ao acaso.
Basta tomar em atenção os pacotes gráficos que embrulham essa preciosidade
que Ă© o som em suporte fĂsico, o excelente site que serve como tanque de abastecimento
visual ou as fotografias cuidadas que transparecem uma ideia de unidade conceptual.
Da mesma forma, os relatos falam de actuações ao vivo que são mais experiências
sonoras do que concertos para grandes massas dançantes.
Members Only Ă© o resultado de um amadurecimento sustentando, temperado
a colher de sopa por Marc Collins, sem o qual este disco dificilmente cruzaria
as mĂŁos e os ouvidos de quem por ele muito esperava. Trata-se de um microcosmos
onde habitam a electrĂłnica mais convencional, o punk, o techno, o experimentalismo,
a canção acústica à Kings of Convenience ou as bandas sonoras de filmes franceses.
Já alguém disse que Avril tinha uma grande criatividade e um coração ainda
maior. Talvez. Verdade, verdadinha, os estilos assim entrelaçados entre digital
e orgânico numa dança contĂgua sĂŁo, para todos os efeitos, um resultado da
cada vez maior abertura de mente que se instala em todos aqueles que fazem
mĂşsica pelo simples prazer de a fazer. As barreiras, estilĂsticas ou imaginárias,
são cada vez mais frágeis.
É um disco de fantasmas perdidos, tanto sereno e tranquilizante como que buscando
por um sentido de aperto que transporta o ouvinte para uma grande praça vazia
sem história nem população. Mas também para casas onde a libido está à flor
da pele, em palavras que sĂŁo repartidas entre o inglĂŞs e o francĂŞs, trazendo
Ă memĂłria tanto Air como White Stripes. As atmosferas mais orquestradas chegam
a lembrar Ulrich Schnauss.
“Be Yourself” é de caras o single de estreia, e nem precisamos dessa informação
para o ter como certo. Virado para as pistas de dança, é varrido por quebras
electrĂłnicas e riffs de guitarra punk. A letra Ă© francesa mas o refrĂŁo inglĂŞs
– sempre pode chamar a atenção... “Can’t Stand Your Ex’s Rock Band” é a faixa
quase Franz Ferdinand do disco – ritmo acelerado, bateria e guitarra fulminantes.
Junte-se-lhe coros femininos e uma letra singular e ficamos com uma faixa
retro-qualquer coisa. Da mesma ordem, “TV Dinner” é composta por gritos flamejantes
e uma voz indietronica feminina. Punk-funk a fazer lembrar Prodigy e Daft
Punk. Nos antĂpodas estĂŁo “As The Music Stops” e “Quand Tu Fais Ça”. Despojadas
de artifĂcios, sĂŁo preenchidas por tonalidades sonoras sugestivas, quase sempre
em torno do amor. Um bom disco.
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Be
Yourself 12 '' |
Mais uma vez, como é frequente na agremiação F Communications,
em paralelo com o lançamento de um álbum Ă© lançado um doze polegadas com remisturas do single de avanço, neste caso “Be Yourself”, extraĂdo de Members Only. As remisturas ficaram a cargo de Laurent Garnier e Broadcast
e o resultado final acaba por ser um pouco amargo especialmente por parte
de Laurent Garnier, de quem se esperava mais.
O patrão da F Communications apostou numa desconstrução total da faixa, tanto
que regravou as vozes e juntou Ă mĂşsica elementos mais abrangentes do que
aqueles que se encontram na original. Laurent Garnier amplifica e multiplica
a tentativa de apelo ao corpo, mas a verdade Ă© que nĂŁo o consegue, tanto que
dessa tentativa apenas o aferro da linha de baixo consegue despertar alguma
atenção. Numa remistura pilhada de elementos sonoros é manifestamente pouco.
Broadcast fez uma remistura de difĂcil compreensĂŁo. Se Ă© verdade que foge
aos ditames do manual do estilo, também o é que o trabalho feito parece desprovido
de qualquer tipo de sensações ou sentimentos. Chega a parecer ser feita para
adolescentes quase prĂ©, tanto que Ă© igual do princĂpio ao fim. Uma desilusĂŁo...