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Jeff Rosenstock POST-

2018
Polyvinyl


É com “USA”, monumento punk de sete minutos e meio que lida com as feridas mal curadas duma guerra civil que levaram à eleição dum bilionário incapaz, que Jeff Rosenstock nos recebe no seu mais recente disco, e é nela que ouvimos um dos seus versos mais marcantes: et tu, USA?, paráfrase das últimas palavras de Júlio César dirigidas a Bruto, num eco da traição sentida por tantos naquela fatídica noite de Novembro de 2016. Mas à luz das inúmeras podridões que (mal) se escondem por detrás da maquilhagem da suposta potência dominante, é difícil não ver em et tu, USA? uma pergunta retórica, colocada por alguém que já esperava a traição, sem no entanto ter bem noção de quando seria desferido o golpe.

Lançado no primeiro dia de 2018, POST- não esconde ao que vem: servir de escape artístico para as raivas e frustrações sentidas por Rosenstock na ressaca do primeiro ano da era Trump, muitas das quais já antecipadas em WORRY., seu magistral (e oportunamente intitulado) antecessor de 2016. A crueza, tanto na produção como nas canções em si, está toda lá, como já seria expectável num disco do nova-iorquino, sobretudo quando lançado nas actuais circunstâncias. E ainda que existam, aqui e ali, doces baladas pop rock conduzidas pelo piano, são sobretudo os hinos power pop e os temas mais abertamente punk que nos trazem a catarse que enche o terceiro longa-duração da carreira a solo de Rosenstock.

Mas ao contrário do que se poderia esperar dum disco punk lançado nestes conturbados tempos da vida sociopolítica norte-americana, POST- não é uma obra política, ou melhor, não o é no sentido em que não nos traz nenhum manifesto programático com vista ao derrube do regime. Desengane-se quem pensa que vai receber aqui soluções, apelos a boicotes eleitorais ou gritos pelas cabeças dos líderes políticos, pois tudo o que irá encontrar são canções focadas nas pessoas comuns, como Jeff Rosenstock, e nos sentimentos que atravessam os dias dessas pessoas comuns.

Sentimentos esses que passam pela revolta muda e pelo desespero de quem não se consegue fazer ouvir (“Yr Throat”, “Beating My Head Against a Wall”), pela solidão e pela depressão (“Powerlessness”, “9/10”) ou pelo desejo de esquecer erros passados e começar de novo (“Melba”), num retrato dolorosamente fiel dum povo esquecido, alienado e marginalizado pelas engrenagens do sistema. E, no final de tudo, uma luz ao fundo do túnel: “Let Them Win”, apelo à resiliência e à luta dirigida a todos aqueles que ainda acreditam na possibilidade de uma vida melhor. POST- pode não ter as palavras certas para nos reconfortar nem o mapa para a terra prometida, mas relembra-nos que ela existe e, no processo, mostra-nos quem somos. E também nos traz um porradão de canções porreiras para ouvirmos durante a viagem.


João Morais
joao.mvds.morais@outlook.com
23/01/2018