Imaginemos Gabriel Alves como pivot do jornal de notÃcias do canal Bodyspace. A dominar a actualidade, o novo disco dos Modest Mouse. "Boas notÃcias para quem adora más notÃcias. Regressaram ao activo. Modest Mouse - monstros sagrados do indie. Seis álbuns, dezenas de raridades e vários sete polegadas em currÃculo. Perseverança, esforço, essência. Após alguns desacatos com a justiça e reprovação por parte dos fãs após ter cedido duas faixas a campanhas publicitárias, Isaac Brok prova que a ninguém teme ao lançar Good News For People Who Love Bad News pela Epic, propriedade da Sony. Uma afronta ao puritanismo indie. Um disco épico. A vantagem de poder ditar regras."
Não há como negar aos Modest Mouse o direito à aclamação quase geral que os abafa actualmente. Mais de dez anos de música relevante, assinaláveis colaborações com o guru Calvin Johson e um disco tão essencial como The Moon & Antarctica são razões mais que suficientes para que deixassem de ser banda de bolso. Como sempre acontece, ganharam tantos admiradores quanto detractores quando o sucesso lhes bateu à porta ("Float on" dominou por algum tempo a tabela de singles da Billboard), mas Isaac Brock e seus comparsas parecem pouco preocupados com isso. Ainda mais com um álbum como este em mãos.
Mas afinal qual é, de facto, a razão de tamanho hype? A inconfundÃvel identidade que desde sempre cultivaram. A incógnita que deixa os funcionários de lojas de discos na dúvida quanto à prateleira em que os devem inserir: EMO, rock independente ou (acrescente outro género da sua preferência)? Bad news... dispensa um carimbo redutor. Encerra uma dimensão mais comum à literatura do que, propriamente, à música. É uma daquelas noites de sábado em que tudo acontece. Percorrem-se emoções distintas durante um perÃodo incerto de tempo, que, afinal, não é mais que um estado de espÃrito. O conjunto de canções traduz esse nervoso miudinho que a ansiedade impulsiona. Desde sempre, os Modest Mouse fizeram do rejuvenescimento uma experiência quase religiosa, que testemunhamos pela voz de um ateu. Confusos? O nÃvel de estranheza duplica, se a isso acrescentarmos o nó existencial que a banda parece desesperada em desatar.
Bad news... vem medir a pulsação sentimental de uma geração perdida em séries de culto e deserto de referências. O niilismo dos Sex Pistols, a melancolia dos Smiths, e, em concordância, a angústia dos Modest Mouse. A servir de substância a essa angústia tão própria, as guitarras etéreas e as vocalizações de Isaac Brock que persistem em transparecer algo de irremediavelmente fatÃdico. Tudo isto concentrado num carrossel onde a banalidade é convertida a proporções Shakesperianas. Ainda que tenham finalmente garantido a atenção das massas, tal não significa que a música dos Modest Mouse seja simples (não confundir com acessÃvel). Muito pelo contrário. Gravita por aqui matéria sobejamente complexa, ao ponto de ser a necessária a abordagem de especialistas. Basta escutar "Bury me with it" para dar conta de que nem tudo vai bem na vida do enigmático vocalista.
"Bury me with it" serve de base ao álbum e armazena uma das suas mais inquietantes e emotivas passagens: "I just don't need none of that Mad Max bullshit". Aguardo interpretações. "Float on" abarca fragmentos do legado Talking Heads (à semelhança de "The view"), para, a partir daÃ, formular um irresistÃvel single, pronto a fazer mossa nas pistas de dança de um mundo perfeito. "Bukowski" transparece a mesma decadência que caracteriza o conhecido escritor. Logo após o intervalo da peça, a homenagem à quele que, porventura, melhor versa sobre a condição humana nos seus discos: Tom Waits. "The Devil's work day" é daqueles tÃtulos que não deixam margens para dúvidas. O cair do pano dá-se ao som de um irónico aceno aos excessos do rock n' roll, em "The good times are killing me".
A pescadinha morde o rabo e ficamos a conhecer um pouco mais do estranho mundo de Isaac Brock. Esperar que superassem The Moon & Antarctica seria pedir demais. Cada disco pertence a seu tempo. Good News For People Who Love Bad News surge no momento perfeito. Perdurará como um sólido icebergue e não defraudará expectativas. É a bandeira que assinala o pico da montanha (de popularidade) que a banda alcançou há bem pouco tempo. A partir de agora será sempre a descer? Só o próximo capÃtulo o dirá. Se o ano passado pertenceu a Elephant dos White Stripes (no que a aclamação diz respeito), aà está um rato capaz de lhe fazer frente. Boas notÃcias para quem desde há muito esperava por um disco assim.
Miguel Arsénio, algures entre o oceano e a terra, Bodyspace.