Dir-se-ia que o drum n’bass, nos últimos vinte anos, pouco mais fez senão tentar sobreviver; que um nicho de seguidores o manteve ligado às máquinas para lhe dar a oportunidade de mais uns fôlegos; que os ortodoxos se empenharam em preservá-lo em gelo quando os derivantes o ameaçaram subverter. Alguma dualidade subliminar na comunidade? Em retrospectiva, e em boa verdade, a viragem de século nada mais trouxe senão desolação sentimental e criativa a uma das mais genuínas e revolucionárias invenções musicais dos anos 90.
Ter-se-ia o género esgotado com New Forms (1997) de Roni Size/Reprazent ou Two Pages (1998) de 4Hero – ambos sucedâneos de Timeless, a sagrada escritura de Goldie? A comercialização, e consequente sustentabilidade do género quando parasitado por um crescente narcisismo, estrangulou ideias e perspectivas. A maioria do underground apressou-se em procurar um pós e logo se orgulhou das burguesas aclamações ao UK garage, e a tudo o que se lhe seguiu – a que se passou a chamar genericamente de bass-music.
A Metalheadz, de Goldie, ou a Exit Records, de dBridge, têm sido dos poucos bastiões a procurar separar a pertinência (o nicho de seguidores) da vulgaridade dos congelados (os ortodoxos). Apesar de Malice In Wonderland (2007) de Rufige Kru (Goldie camuflado), Call To Mind (2008) de Commix ou The Gemini Principle de dBridge terem tido os seus momentos inspirados, nenhum resistiu à aventada do tempo. Até Richie Brains, o esforçado consórcio de 2016, pouco mostrou de perdurável.
Overlook, do britânico Jason Luxton, e Homemade Weapons, do americano Andre Delgado, ambos com os seus álbuns de estreia editados com meia dúzia de meses de diferença, são dois distintos inconformados num panorama deprimido. Apesar da distância que separa a mesa de operações dos dois projectos, Smoke Signals e Negative Space, parecem irmãos, tal a forma como o padrão rítmico do drum n´bass é tratado, ou melhor, retratado: Luxton e Delgado simplesmente devolvem ciência ao ritmo, surpreendendo com breaks tão temperados como inesperados.
Overlook testa ambiência entre o drone e o industrial contrastando-a com um ritmo e baixo que tanto se dá ao saudável saudosismo jungle como à actual matemática breakbeat minimal de gente como dBridge. Homemade Weapons, por sua vez, dedica a sua operação ao ritmo e baixo neurótico, minimizando o temperamento melódico, ambiental: é breakbeat cru, quase descarnado de emoções.
Smoke Signals e Negative Space são admiráveis exemplos da resiliência de um género. Os seus autores investiram em meticuloso estudo na identificação da inanição crónica do drum n’bass e na posterior busca de soluções, alternativas viáveis. Smoke Signals e Negative Space são álbuns estruturados em vez de meros mosaicos cabulamente compostos. Eles trazem de volta à realidade do género a arte da especulação, trazem uma prazerosa sensação de aventura por um lugar nunca antes percorrido – apesar das flagrantes reminiscências da era dourada. Ambos devolvem ao drum n’bass o que há muito lhe faltava: modernidade e dignidade.