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Nova Huta Here Comes my Seltsam Voice

2004
Variz


Se um dia os brinquedos encaixotados decidissem organizar um motim no sótão, um medley das faixas que compõem este disco bem podia servir de hino a essa revolução. Os robots voltam a ganhar a preferência das crianças, e o responsável é Reznicek, que assina este disco sob a designação de Nova Huta. O músico de Hamburgo tem vindo a desenvolver um conceito (ou mito) que se resume a isto: pouco antes da sua morte, o seu tio Vrantislav "Bambij" Robot enviou-lhe um órgão Casio programado com 99 músicas que costumava usar para animar os trabalhadores de uma fábrica, durante um cinzento período de poderio Comunista na Polónia. O que podemos então escutar são variantes das tais 99 músicas, actualizadas e revestidas à imagem de Nova Huta. O disco chega-nos com o selo da Variz, editora portuguesa que tem vindo a desempenhar um exemplar trabalho na divulgação de novos valores da electrónica (nacionais e estrangeiros). Miguel Sá e Fernando Fadigas (Tra$h Converters / The Producers) são os paladinos que permanecem dedicados a lutar contra a maré de limitações de uma indústria atrofiada ao leme da Variz. Uma vénia para eles.

Here comes my seltsam voice mune-se de loops desavergonhadamente catchy e vocalizações cheias de glamour para proporcionar quase uma hora de despreocupado convívio com a música. Sim, porque de ouvidos apontados para Nova Huta todas as preocupações são secundárias. Ainda assim, a solidez do conceito não chega para camuflar algumas fragilidades (a música torna-se algo indistinta a partir da segunda metade do disco). À semelhança de Khan em "No Comprendo", Reznicek convida uma série de vocalistas para emprestarem voz aos seus temas. A celebração da alegre convivência cosmopolita aliada à multiplicação de alter-egos de Nova Huta deixa-nos com um alucinado sorriso nos lábios. Além do charme que incutem, a variedade de ambientes e o idioma alemão (sempre apropriado a estas sonoridades) resultam numa espécie de efeito Willy Fog, que transforma o disco numa colorida digressão por recônditas fantasias cor-de-rosa. Here comes my seltsam voice recupera aquela porção de nós que ficou presa às animações experimentalistas que Vasco Granja apresentava nos anos 80. "Das neue datschadelische volkslied" remete-nos para as manhãs de sábado passadas em frente à televisão, a pão com Tulicreme e leite com Cola-Cao.

A tômbola vai girando e soltando pérolas lo-fi a cada faixa. "Heb dir deine tränen für jemand anders auf" é a maior dessas pérolas e, num universo paralelo, seria número 1 das tabelas de dança. Reafirma-se a veia cosmopolita do disco, já que o refrão da dita faixa é cantado em três línguas diferentes, incluindo português com sotaque brasileiro (na Portugal Bonus Track - obrigado, Reznicek). A calmaria chega no lounge robótico de "Grüne Liebe", que termina em inesperado curto-circuito. A "casiopop" de Nova Huta vai destilando pretextos mais que suficientes para que todos se rendam à dança. Já bem perto do fim, "Killing an error" é uma deliciosa curiosidade que adapta o clássico "Killing an arab" dos Cure à sonoridade do músico alemão.

Feitas as contas, "Here comes my seltsam voice" só peca por não se livrar do estigma que persegue grande parte dos discos afeiçoados a uma electrónica mais predisposta a divertir: aquece, mas logo depois arrefece. Nada a temer, visto que proporciona um gozo tremendo saborearmos os beats mais ou menos infantilóides sem sequer nos questionarmos acerca do que escutamos. Prazer por prazer. Os índices de interesse só começarão a decair quando tal gozo partir em busca de novos ritmos. Em todo o caso, na memória ficarão paragens de Here comes my seltsam voice a que "o bichinho do ouvido" procurará voltar. Há aqui potencial para gerar nostalgia a curto e longo prazo, pois então. Na sua função lúdica, satisfaz plenamente. Enquanto registo relevante, apenas cumpre tangencialmente. A Huta continua, todos a dançar p'ra rua!


Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
05/06/2004