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The Beta Band Heroes to Zeros

2004
Astralwerks


Há anos uma banda, cujos melhores momentos faziam lembrar os Spiritualized em versão deselectrificada, aparecia no radar. Com propensão para usarem parafernália pouco ortodoxa, e usarem roupas africanas em palco, The Beta Band criaram clássicos como “Dry The Rain”, “The House Song” ou “Inner Meet Me”. Clássicos reunidos em The Three EPs, que é mesmo o que o nome indica.
Passada uma falsa partida (The Beta Band), e um regresso confiante e bastante mais apelativo (Hot Shots II), Heroes To Zeros encontra os escoceses enfim capazes de criar o mesmo encantamento que possuíam aquando da sua génese. E desta vez têm equipamento à altura das suas ambições. Ambições essas que passam por um malabarismo capaz de, às bolas com que se começa a demonstração, juntar quadrados, triângulos, estrelas, pentágonos, paralelogramos, prismas, cones, cilindros, pirâmides, etc. E parecer que, quando só restam novamente as bolas, estas ganharam as qualidades de tudo o que por lá passou.

O single escolhido, “Assessment”, é rock com sons esmigalhados, feito de um riff insistente, ao qual se juntam partes progressivas, com trompete e piano, à medida que vamos chegando ao seu fim. Os sons da Beta Band são engolidos, côncavos, bandas-sonoras para larvas de areia gigantes disfrutarem de uma boa refeição. As percussões contam muito – quer pareçam garrafas, quer pareçam latas de lixo. Ou poderão ser sinos, no meio de uma invocação acústica em círculo fechado (“Lion Thief”), que mais tarde darão lugar a electrónica e vozes na bruma. A entrada com um Fender Rhodes em “Easy” é motivo para rejubilo, e depois de um ataque acústico-funky-groovy, de uma harmónica, de um órgão em dança ossuda, de latas, voltamos aos sons do início esfrangalhados e felizes. A Beta Band vai ao supermercado, e traz o saco com que saiu de casa cheio, para depois festejar as compras numa varanda, com tempo de Verão, e melgas para serem afugentadas. Nada mudou muito na voz cerrada, baixa, de cântico, de Steve Mason. Mudou o facto de poder estar rodeada de cordas e xilofones luxuriantes (“Troubles”), distorção e electrónica de arcadas dos 80's que se transformam em rock com pianos (“Out-Side”), passos num túnel, folhas de relva de cristal e fogões a queimarem pudins (“Space Beatle”) ou psicadelismo quase spacey com bombo duplo em mistura com batida funky, violinos, címbalos, palmas, órgão em reverb e batuques aquados (“Liquid Bird”).

É assombrosa a quantidade e qualidade das construções que a Beta Band traz em Heroes To Zeros. “Simple” transforma-se de melodrama com cordas, em funk. E de funk no que é, somente, pop-mistela da melhor estirpe. E acaba só com voz e címbalo.
É isto que a Beta Band era, e foi, capaz de fazer. Acabou por ser bom, ao fim e ao cabo, ter passado pelo processo de regeneração. Heroes To Zeros deve ser preservado com o cuidado dos objectos especiais. Cada componente sua é sinónimo de riqueza.


Nuno Proença
nunoproenca@gmail.com
27/05/2004


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