Há anos uma banda, cujos melhores momentos faziam lembrar os Spiritualized em versão deselectrificada, aparecia no radar. Com propensão para usarem parafernália pouco ortodoxa, e usarem roupas africanas em palco, The Beta Band criaram clássicos como “Dry The Rain”, “The House Song” ou “Inner Meet Me”. Clássicos reunidos em The Three EPs, que é mesmo o que o nome indica.
Passada uma falsa partida (The Beta Band), e um regresso confiante e bastante mais apelativo (Hot Shots II), Heroes To Zeros encontra os escoceses enfim capazes de criar o mesmo encantamento que possuĂam aquando da sua gĂ©nese. E desta vez tĂŞm equipamento Ă altura das suas ambições. Ambições essas que passam por um malabarismo capaz de, Ă s bolas com que se começa a demonstração, juntar quadrados, triângulos, estrelas, pentágonos, paralelogramos, prismas, cones, cilindros, pirâmides, etc. E parecer que, quando sĂł restam novamente as bolas, estas ganharam as qualidades de tudo o que por lá passou.
O single escolhido, “Assessment”, Ă© rock com sons esmigalhados, feito de um riff insistente, ao qual se juntam partes progressivas, com trompete e piano, Ă medida que vamos chegando ao seu fim. Os sons da Beta Band sĂŁo engolidos, cĂ´ncavos, bandas-sonoras para larvas de areia gigantes disfrutarem de uma boa refeição. As percussões contam muito – quer pareçam garrafas, quer pareçam latas de lixo. Ou poderĂŁo ser sinos, no meio de uma invocação acĂşstica em cĂrculo fechado (“Lion Thief”), que mais tarde darĂŁo lugar a electrĂłnica e vozes na bruma. A entrada com um Fender Rhodes em “Easy” Ă© motivo para rejubilo, e depois de um ataque acĂşstico-funky-groovy, de uma harmĂłnica, de um ĂłrgĂŁo em dança ossuda, de latas, voltamos aos sons do inĂcio esfrangalhados e felizes. A Beta Band vai ao supermercado, e traz o saco com que saiu de casa cheio, para depois festejar as compras numa varanda, com tempo de VerĂŁo, e melgas para serem afugentadas.
Nada mudou muito na voz cerrada, baixa, de cântico, de Steve Mason. Mudou o facto de poder estar rodeada de cordas e xilofones luxuriantes (“Troubles”), distorção e electrĂłnica de arcadas dos 80's que se transformam em rock com pianos (“Out-Side”), passos num tĂşnel, folhas de relva de cristal e fogões a queimarem pudins (“Space Beatle”) ou psicadelismo quase spacey com bombo duplo em mistura com batida funky, violinos, cĂmbalos, palmas, ĂłrgĂŁo em reverb e batuques aquados (“Liquid Bird”).
É assombrosa a quantidade e qualidade das construções que a Beta Band traz em Heroes To Zeros. “Simple” transforma-se de melodrama com cordas, em funk. E de funk no que Ă©, somente, pop-mistela da melhor estirpe. E acaba sĂł com voz e cĂmbalo.
É isto que a Beta Band era, e foi, capaz de fazer. Acabou por ser bom, ao fim e ao cabo, ter passado pelo processo de regeneração. Heroes To Zeros deve ser preservado com o cuidado dos objectos especiais. Cada componente sua é sinónimo de riqueza.