NĂŁo depende, para avaliar da qualidade ou nĂŁo de um disco, o grau de identificação obtido com um determinado lugar ou Ă©poca. É apenas como dizem os cĂ©lebres cartazes “You don’t have to be mad to work here. But it helps.”. E será difĂcil, Ă priori, acreditar que poderemos chegar ao fim de um disco chamado “ExĂlio” com uma ideia definida sobre por onde a nossa mente foi “forçada” a viajar. NĂŁo existe, ao fim e ao cabo, definição. Existe uma capacidade nata, brilhante, e tĂŁo natural quanto o cheiro da maresia ou de uma estação de comboios, de reproduzir um dia. Um dia que Ă© feito de uma janela aberta com telhados baixos e o rio em fundo. De pátios imaginários que substituem a sala-de-estar numa derradeira valsa pelos dias gloriosos. De caminhadas por avenidas, cada porta fechada podendo encerrar o segredo para tornar o sonho menos socialmente aceite na realidade que sĂł a nĂłs prĂłprios admitimos desejar.
J.P.Simões teria algo a provar, apĂłs La Toilette Des ĂŠtoiles nĂŁo ter chegado ao patamar ocupado por Fossanova, a sua estreia com os Belle Chase Hotel, marco na mĂşsica feita intra-fronteiras. Ao escolher o portuguĂŞs como lĂngua preferida na maior parte das suas canções, substitui alguns dos maneirismos que o caracterizavam por uma ressonância, um entoar subtil de sĂlabas, palavras e frases, que adquirem uma força vastĂssima. Mordaz, apaixonado, poeta, falso decadente que o finge ser para melhor detectar os verdadeiros. “Vou cumprindo o programa”, diz em “Carta Tardia”, ideal para reflectir numa ampla livraria caseira, de roupĂŁo, sofá e copo de whisky, e pensamentos dispersos sobre outra pessoa.
A mĂşsica Ă© moderna, enquanto procura disfarçá-lo. Existem valsas, swings, perfumes mediterrânicos-cosmopolitas, aproximações Ă bossa nova e ao samba. Canta-se uma “Valsa Quase Antidepressiva” com um optimismo a dar as boas-vindas ao lusco-fusco. Uma “Rumba Dos Inadaptados” em que a suavidade na voz contraste com a tristeza contemplativa da letra. “Suor e Fantasia” Ă© jazz fresco, fanfarras e manjericos a erguerem-se do ruĂdo do dia. “Um Fado Qualquer” poderá levar os mais cinĂ©filos a pensar em Fight Club, quando questiona se o design do que se possui basta. Mas “talvez se aguente sem nada dizer”.
Instrumentalmente, o Quinteto Tati possui um leque alargado de soluções, cada uma com o seu momento debaixo das luzes. Sopros, flautas, ĂłrgĂŁos, pianos, xilofones, batuques, a voz da convidada Petra (sobretudo em “No Jazz”), contrabaixo dedilhado ou com arco. O piano imita a guitarra dos MĂŁo Morta em “Inventário MarĂtimo”, requiem para uma cidade (Lisboa) afundada. Sons de um circo – “E se entĂŁo sonhar um tempo de amor / Talvez pense em nĂłs”. Flautas, metáforas, palavras que transmitem poder em cada dicção, “Hoje o dia doeu fundo / Mas gosto ainda do mundo” (“Uma Para O Caminho”). Acabam os “CrĂ©ditos Finais” ao som do tráfego. O vento dos carros a passarem bate nos cabelos. Algo está diferente, algo está melhor. Aventura? Talvez baste atravessar a rua. J.P.Simões faz-nos crer em tanto.