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A Tribe Called Quest We Got It From Here... Thank You 4 Your Service

2016
Epic


O regresso de um músico, de um grupo, vinte anos depois do período áureo, do último manifesto, da glória, é sempre visto com desconfiança por quem tem vistas mais largas. Sim, os fãs excitar-se-ão por ter de volta aquela música, aquelas pessoas, que, quando novos, preencheram as medidas da reacção da juventude. Mas o que tem um regresso de dado projecto realmente a acrescentar ao legado vários anos volvidos de inactividade criativa? Na maioria das ocasiões, nada.

A Tribe Called Quest é uma instituição musical dos anos 90. Não há nova geração hip-hop realmente consciente do que ouve, e daqueles que produzem com espírito, que se possa dar ao luxo de ignorar a enorme e eclética escola que Q-Tip, Phife Dawg e companhia instituíram. The Low End Theory (1991) ou Midnight Marauders (1993) continuam, hoje, a ser magestrais equilíbrios entre o poder do verbo, da intervenção da palavra, comunitária, social, politica, assentes numa cuidadosa elaboração de beats, samplers – engenhosamente manipulados –, e evocações jazz sentimentalistas.

We Got It From Here... Thank You 4 Your Service: o título diz basicamente ao que vêm este anos todos passados; pela ironia: Obrigadinha, já fizemos a nossa parte, agora é a vossa vez. Recado óbvio a quem segue (religiosamente) os ensinamentos, a doutrina da boa palavra, do flow competente, da consciência da conjectura, tudo aliado à inteligência da composição sonora.

Como último disco, e sendo mesmo o último, estranhamente o último trabalho de um colectivo de que ninguém estava à espera de um último, A Tribe Called Quest quase neutraliza os bons acólitos contemporâneos (quase ao ponto de sermos forçados a ver com outros olhos que Kendrik Lamar deu ao mundo no ano passado). We Got It From Here... Thank You 4 Your Service é uma inesperada obra. Definitivamente é A Tribe Called Quest, apesar dos anos de inactividade: o colectivo não saiu da reforma para uma simpática e nostálgica orgia groove.

Eles voltaram, e em disco duplo, para uma derradeira intervenção, não só sobre o hip-hop, mas também sobre a conjuntura, e a consciência colectiva – que tem o pesadelo Trump a foder a estabilidade social, política e económica. A Tribe Called Quest não se reforma de qualquer maneira. Não sem deixar um trabalho, trabalhado e orgulhoso e inspirador; nada daquelas inconsequências de que os possam acusar de terem voltado por voltar. Porque existem e ainda pensam para além da espuma dos dias, estamos perante uma magnífica e memorável despedida de um colectivo que ainda tem muito para dizer; e que também quer – sem paternalismo pretensioso – continuar a incentivar os mais genuínos poetas de rua actuais a intervir positivamente na sociedade. Mensagem recebida.


Rafael Santos
r_b_santos_world@hotmail.com
28/11/2016