África corre-lhes nas veias, tal como a bass-music. Contudo, kuduro "progressivo" nunca foi a cena deles. Em Julho de 2013, Leonardo Guichon foi franco em entrevista ao Bodyspace: (…) Não somos ingratos e agradecemos o facto do kuduro e a Enchufada terem acabado por nos abrir portas e ter feito com que chegássemos mais facilmente a alguns sítios. Mas fazer um determinado estilo só porque “está a bater” e nos vai beneficiar não é correcto.
Oito não foi kuduro, mas tinha África. Era bass music africanizada com complexo de progressiva experimentação: foi algo pragmático, dançante, pensado para fora – já que foi de fora que, ironicamente, o projecto foi encontrado cá dentro. Oito caracterizou-se por ser daquelas obras empenhadas em mostrar eficiência, trabalho, proficuidade, e mostrava ter uma amalgama de amizades – porque há sempre aqueles amigos dispostos a dar a perninha à causa.
Continuamos a ir buscar sons africanos, mas o lado mais tradicional, um bocado o som que a nossa mãe nos mostrava quando éramos miúdos. Acaba por ser um elemento que está sempre presente nos nossos temas, às vezes manifesta-se de uma forma tímida e de outras vezes de forma mais descaradona. Palavras proferidas em 2013 em dita entrevista (concedida a Alexandra João Martins do Bodyspace) que hoje fazem MAIS sentido. Isto porque, ao ouvir o novo disco, Língua, há uma sincera presença do lado tradicional, o som que a mãe dos manos provavelmente mostrava quando eram miúdos. E se Oito era o “tímido”, com o segundo capítulo, finalmente, temos o descaradão.
Com Língua, os Octo Push perdem o lado mais pretensioso que caracterizava parte de Oito. Eles soltam-se, e a música com eles. Nós ganhamos. O português domina, não só na língua, mas também na musicalidade. Estamos perante um projecto que pega na África portuguesa, na nostalgia, nas boas memórias, e rega o que já lá vai das terras do condenado império com o fluido da contemporaneidade. Língua soa a um Portugal definitivamente resolvido com o passado, um Portugal a voltar para se imiscuir.
Isto é, uma vez mais, um disco de colaborações. Mas desta vez com colaborações que fazem pleno sentido – porque é de portugalidade que se trata neste tratamento: Maria João (sempre incrível naquele seu contorcionismo vocal), Tó Trips, Batida, Cachupa Psicadélica, Alex (dos desaparecidos Terrakota), Cátia Sá ou os surgidos Gospel Collective; todos em cantos distintos, aqui unidos pela língua; e todos acrescentam substância, pertinência à produção de Leonardo e Bruno. Não há meras convocatórias de amigos para ornamentar as partituras digitais!
A variedade de sons e paisagens não permite confinar o alinhamento a qualquer género. A absoluta diversidade, contudo, não é desregulada. Discretamente, os Octa Push – qual maestros – agilizam a produção, deixam espaço aberto para que a electrónica vá ao encontro do andamento da instrumentação física – e aqui há a evidenciar uma das grandes diferenças entre este disco e o antecessor: aqui tudo soa orgânico. E se há algum elemento que cola tudo é o baixo – a invisível presença da bass music é de saudar.
Língua não é um extraordinário exercício de estilo. Ele é amiúde certeiro, de pertinentes abordagens. Mas provavelmente não será muito recordado daqui a meia-dúzia de anos. O projecto ainda terá de se esforçar um pouco mais para conseguir a singularidade – o que distingue os grandes dos pequenos. O alinhamento saltita em momentos com opções que parecem contradizer o todo. E o problema não estará tanto no espírito da produção mas na sua real execução.
“Fogo” é uma bela abertura de pano, “Língua” é de uma simples mas maviosa poesia, “Trips Makakas” provoca com guitarrada fado que nunca o é – e isso é incrível! –, “Gaia Cósmica” é de longe a enorme concretização destes descobridores de Carcavelos. Em contrapartida, os insípidos “Xilofone Teteté”, “Mana”, “Barbará” e o – completamente – desajustado-forçado (para não dizer desastrado!) derivado afrobeat “LGS-LX”, parecem ter sido paridos em dias de contrariadade; simplesmente a bota não bate com a perdigota: a realidade não corresponde com o que a dupla (talvez) tinha em mente – boas ideias went sideways? Salve a “Zeca” – em homenagem ao grande Afonso – que consegue ser nos últimos minutos uma fogosa explosão de alegria capaz de fazer esquecer aqueles, alguns… percalços.