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Fu Manchu The Action Is Go

1997
Mammoth


Reza a lenda que, certo dia, Lemmy disse qualquer coisa como: "Se tocares guitarra, as mulheres repararão em ti. Se tocares bem guitarra, as mulheres desejar-te-ão." Não será portanto de estranhar se os Fu Manchu tiverem um harém de voluptuosas groupies à sua espera no backstage, à saída dos concertos. Merecem-no com todo o mérito.
Há muito que uma parcela da juventude californiana vendeu a alma ao Diabo em troca de experiências psicadélicas e trips alucinantes. "Better Living Through Chemistry" foi como os Queens of the Stone Age baptizaram esta romaria pelo deserto. Submersas pela atitude confiante do stoner rock, as lágrimas não têm lugar no tríptico que as une ao sangue e suor. A carrinha Volkswagen não conhece outra mudança além da quinta e Chris Martin (Coldplay) bem pode ficar em casa a escrever propaganda nas mãos, pois aqui não há espaço para choradinhos nem sequer para guitarras acústicas. Entre valentes "bongadas" e mais um cogumelo mágico para atestar, as noites de Orange County são noites de stoner rock.

Foram necessários demasiados sete polegadas e três álbuns para os Fu Manchu arrecadarem finalmente a atenção de uma editora de maiores dimensões. Foi com o selo da Mammoth que In search of... exportou para fora da Califórnia um dos seus melhores produtos a par das laranjas. Tudo sobre rodas, até Ruben Romano (bateria) e Eddie Glass (guitarra principal) terem abandonado a banda (para mais tarde formarem os Nebula). Há males que vêm por bem, e é provável que tenham sido estas baixas o primeiro factor favorável às gravações de The Action is Go, já que para o lugar dos músicos desertores foram recrutados Bob Balch e Brant Bjork (produtor do primeiro disco da banda e um dos gurus do stoner rock), que em muito abonaram o processo criativo do colectivo liderado por Scott Hill. Se, por um lado, Balch redobra a força dos riffs - já de si demolidores - e nunca ultrapassa a ténue fronteira que impede um solo de ser maçador, Brant Bjork - através da revolução e inserção de outros instrumentos na secção rítmica - tece as subtilezas que elevaram o disco acima dos restantes registos do género. The Action is Go levantou poeira, e só depois desta se ter dissipado é que o meio musical deu conta do veículo que lhe tinha passado em frente do nariz.

Entre alusões mais ou menos óbvias a farmacêuticos e um evidente fetiche pelo imaginário da ficção científica, The Action is Go nunca vacila enquanto gloriosa demonstração de como aliar riffs bombásticos a um groove quase orgásmico. Os Fu Manchu traçam o mapa de forma a que nos possamos perder no arrastar hipnótico das guitarras, para depois então voltarmos ao roteiro principal, bastando apenas seguir o odor do asfalto - a percussão que conduz o disco.
São dezasseis (a edição europeia inclui duas faixas bónus) as paragens obrigatórias ao longo desta estrada. "Evil Eye" é chave na ignição, arranque em segunda e o single de apresentação que parecia decidido a ditar a morte da guitarra acústica. "Urethane" é o primeiro sinal óbvio de como tudo mudou após a chegada de Brant Bjork, que acrescenta um fundo rítmico adequado a quem acabou de ser fazer à estrada. Prego a fundo e a ponteiro da velocidade vai tremendo enquanto se desafiam limites em "Burning Road" e "Adonizer". De cabeça cada vez mais cheia, "Side Hoax" é a recta cujo fim se confunde com a linha do horizonte. Por aqui não se encontram vias de retorno e, à velocidade que o veículo avança, cada faixa é mais um sinal verde ou sinal vermelho transgredido. "Laserbl'ast!" é a alegoria de um qualquer corpo galáctico na repetição do riff magnético (bem aproveitado pelo célebre colectivo hip-hop brasileiro Planet Hemp na versão ao vivo de "A culpa é de quem?"). Como as pegadas de Godzilla, chegam os acordes iniciais do baixo, em "Grendel, Snowman" - "Ficheiros Secretos" e fenómenos paranormais denunciados pela descarga eléctrica, num dos mais inspirados momentos do disco. "Saturn III" é o épico com que termina o trajecto, em toada de trip pelo espaço sideral.

The Action is Go é o melhor amigo do pé que gosta de pesar no pedal e merecedor de figurar entre os melhores discos de stoner rock. Porém, pés bem assentes no chão, pois é bem provável que o disco suscite alguma saturação se escutado frequentemente. A sonoridade dos Fu Manchu ganha um novo sentido e oferece muito mais quando escutada ao vivo. Que o digam os cem presentes que assistiram ao milagre que foi o concerto dos Fu Manchu no Paradise Garage em Junho de 2000. The Action is Go é uma amostra do que são capazes ao vivo e, a cada vez que o escuto, faz-me sonhar com nova oportunidade de os voltar a ver em palco. De preferência rodeado por saudáveis louraças, algures na Califórnia.


Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
10/05/2004