À medida que os anos passam. E já lá vão 24 desde ”Pablo Honey”, a música dos Radiohead assemelha-se cada vez menos a uma qualquer noção mais comum de “épico”. Nesse aspecto, eles chegaram, conquistaram, e seguiram em frente, com a sua obra eternamente inscrita em pedra maciça, e de valor incalculável. Hoje em dia, a música que gravam parecer-se-à mais com um rico ecosistema marinho, em que o estímulo visual provocado pela quantidade e variedade cromática de peixes, algas, corais, e o que mais nos passar pelos olhos, nos provoca uma deliciosa sensação de abstracção e tontura. Thom Yorke e a sua voz permanecem como olho da tempestade. Só que, ao invés de nos querermos focar apenas neles, encaramo-los como tendo uma relação simbiótica que aquilo que os rodeia. Sejam “simples” guitarras, sejam pianos, sejam orquestrações, sejam efeitos de índole electronica.
”A Moon Shaped Pool”, nono álbum da banda de Oxford, não diverge do repertório anterior num ponto vital. Viver dentro da carapaça dos Radiohead, do mundo que os tornou, e os mantém, únicos no universe melómano, é viver no meio de uma atmosfera repleta de condensação. Isto porque, quando deixamos de “habitar” nela, notamos a diferença. É impossível ter estado rodeado de todos os estímulos que o álbum provoca, e não sentir um choque quando a “realidade” mais prosaica regressa aos nossos sentidos. Não se trata de algo tão “banal” como dizer que a música de ”A Moon Shaped Pool” é “Experimental”. Sentimos, por mais anos (cinco) que se tenham passado desde ”The King Of Limbs”, que tudo aqui tem um lugar. Que tudo encaixou graças ao talento, à percepção, ao génio destes 5 músicos. Eles guiam-nos através das espirais de piano de “Daydreaming”, do túnel vertiginoso de “Ful Stop”, dos ritmos sambados (ouçam) de “Present Tense”. Dilatam-nos as pupilas de encantamento. “Burn The Witch” é a primeira música, e eles escaparam aos Autos-de-Fé.
O facto de “True Love Waits”, velha favorita, encerrar o disco e não provocar um choque com o que veio antes, é outra prova do contínuo em que os Radiohead existem. De como a sua música pode ser “moldada”, sem perder qualquer beleza. “Decks Dark” e “Identikit” abrem vórtices no céu, por onde “Desert Island Disk” e “The Numbers” passam, a seguir, respectivamente, a cada uma delas. Não existe elemento que não faça sentido quando falamos dos Radiohead. Eles sentem-se, de acordo com as letras, impotentes para parar o pânico e a distopia que os rodeia. Mas, paradoxalmente, são omnipotentes no seu espaço. E esse contém riquezas às quais ”A Moon Shaped Pool” vem adicionar mais uma dose sem fim. Riquezas que, esperamos, a sua generosidade permita partilhar por muitos anos ainda.