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Masabumi Kikuchi Black Orpheus

2016
ECM


O pianista japonês Masabumi Kikuchi morreu há um ano, no início do verão de 2015, com 75 anos. É agora editado um disco seu, gravado ao vivo num recital em 2012, que só pode funcionar como testamento. Pianista original, Kikuchi trabalhou para encontrar uma voz original no piano e, ao longo do seu percurso, trabalhou com músicos como Gil Evans, Sonny Rollins, Mal Waldron, McCoy Tyner e Paul Motian (entre outros), sempre trilhando um caminho de procura.

Neste disco todos os temas são improvisações originais, com excepção de uma revisão de um velho tema seu, “Little Abi” (uma balada para a sua filha), e de “Manhã de Carnaval” (do filme “Orfeu Negro”, que dá título ao álbum). Nas “liner notes” deste disco, o também pianista Ethan Iverson (dos The Bad Plus) fala da música de Kikuchi referindo uma “rejeição da convenção”. O pianista domina a técnica e linguagem, mas vai para além delas, ultrapassa-as.

A essência do disco são as improvisações (nove temas), que evoluem de forma elegante. Por vezes profundamente abstractas, angulosas. Outras vezes as harmonias parecem-nos surgidas de composições trabalhadas demoradamente. Por vezes ouve-se um esboço de uma melodia perfeita - criada ali, quebrada ali. Detalhado, subtil, emotivo. O pianismo de Masabumi Kikuchi não cede à facilidade do sentimentalismo, mas sabe deixar pingar uma lagrimita, quando chega a sua hora. A revisão de “Manhã de Carnaval”, arrastada, exponencia a carga dramática original. E o regresso a “Little Abi”, uma espécie de “standard” do seu repertório pessoal, mostra que Kikuchi conhece bem esse poder da melodia.

No disco que regista a sua última actuação ao vivo, um regresso a casa de um músico que passou a maior parte da vida em Nova Iorque, não é apenas simbólico, vale também pela intrínseca qualidade musical. Masabumi Kikuchi não cede, nesta sua última actuação apresenta a sua musicalidade pura. Iningualável, irrepetível, belíssima.


Nuno Catarino
nunocatarino@gmail.com
14/07/2016