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Babyfather BBF Hosted By DJ Escrow

2016
Hyperdub


Num meio em constante mutação e que não permite o estabelecer de dinossauros como o é o hip-hop, são as pequenas idiossincrasias que elevam uma mão cheia de nomes acima de todos os demais. Kanye West quer ser a epítome de uma estrela pop; Kendrick Lamar trouxe o pensamento político de volta ao mainstream; Tyler, The Creator, durante os seus primeiros passos, devolveu a fúria punk a um género que nasceu lado a lado com este; e Dean Blunt, escondido por entre os cacos, é o anarca-mor que faz aquilo que bem lhe apetece, com resultados visíveis.

Sim, porque Dean Blunt pertence ao mundo do hip-hop e do rap. Um hip-hop construído a partir do minimalismo e do avant-garde, que absorve tudo aquilo que o rodeia ou rodeou, do pós-punk ao grime, da poesia ao Tumblr. De todos os nomes apontados o mais facilmente reconhecível, por não soar a nenhum outro antes ou depois dele, é o do britânico. Blunt é um pouco o Basquiat do hip-hop; a forma como cria a sua arte é quase infantil - e já o é desde que formava os inclassificáveis Hype Williams com Inga Copeland -, pegando em pedaços de fenómenos pop (como o Pokémon), manifestos ideológicos e políticos e a dose certa de charme suburbano na composição de telas estranhas, inconfundíveis, e repletas de significado. E é também Basquiat porque é um homem orgulhosamente negro com a gana de entrar para o mundo branco da arte. Isso mesmo o provam as inúmeras incursões por esse campo para lá da música que faz.

Se The Redeemer e, principalmente, Black Metal lhe valeram loas atrás de loas, chega agora o seu primeiro álbum "a sério" enquanto Babyfather, após um par de mini-compilações editadas entre este e o ano passado. Editado pela essencial Hyperdub, que nos últimos dez anos terá sido, talvez, o expoente máximo daquilo que se entende por "música (ou electrónica) urbana", BBF Hosted By DJ Escrow coloca-o lado a lado com um dos grandes novos talentos da produção, Arca, e com um enigmático DJ Escrow - que, tanto quanto sabemos, até poderá ser o próprio Blunt. Nunca o saberemos, porque isso faz parte da mística do britânico: envolver tudo num pedaço enorme de dúvidas, fantasma assombrando a ideia.

Mais que música, "Dean Blunt", o homem, o rapper, o criador e o espectro, é uma ideia: mitomania enquanto identidade e hantologia de um presente estático. Explicá-lo, assim como revelá-lo inteiramente, é tarefa impossível - aquele sangue é arte num constante fluxo. Resta-nos o som, as pequenas pistas que vai dando aqui e acolá. Conforme explicado num artigo da Dummymag há três anos, Blunt’s work is no more his as it is his audience’s, and it’s up to us to interpret, respond to and interact with it as we choose.

Escolhemos então louvá-lo, porque a verdade é apenas uma só: seja lá quem ou o que for Dean Blunt, a música que faz ou propaga é alguma da melhor que se tem ouvido seja no hip-hop seja na música exploratória (inibamo-nos de lhe chamar "experimental") em geral. Talvez ele mesmo o saiba, escondendo o seu orgulho no sample que se ouve em "Stealth Intro" - e que é depois repetido mais duas vezes - de forma a não quebrar a máscara. This makes me proud to be British. This makes me proud to be British. This makes me proud to be British...

Britânico sobretudo, mas peça do mundo a larga escala. Ao mesmo tempo que se escuta o sample em questão, uma guitarra mediterrânica vai dando ares da sua graça, aliado a toques de telemóvel antigos, sons de ambulâncias e distorções várias. Depois entra o dub, da Jamaica para o mundo: "Greezebloc" e "Meditation" são Blunt na medida possível do clássico, instrumentais simples e o grau de stream of consciousness que o tornou minimamente conhecido - juntamente com os inescapáveis retalhos pop, de filmes e séries e o que mais. Tudo vale e tudo é permitido. Tudo importa nem há nada que não possa existir neste contexto.

BBF Hosted By DJ Escrow é, uma vez mais, uma incógnita. O dub é a base; por cima dele encontram-se field recordings vários, rap enquanto slogans narcóticos, noise fodido ("PROLIFIC DEAMONS", "Flames") e a sensação de que, uma vez mais, Dean Blunt, ou Babyfather, ou DJ Escrow, ou um homem negro e anónimo dos subúrbios de Londres olhou em seu redor e devolveu a sua própria visão da sociedade, sem filtros, sem arranjos - o mundo cru e cruel como só ele o sabe ser. Tal como as anteriores, é uma obra fruto de um génio que, mais que incompreendido, se recusa a ser compreendido. O que só aumenta o fascínio. Blunt escorregará sempre por entre os nossos dedos, mas isso não significa que não o tentemos apanhar até ao fim das nossas vidas.


Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com
02/06/2016