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Ora Cogan Shadowland

2016
Hidden City Records


E se nos apaixonássemos por uma silhueta que fuma? E se, no momento seguinte, a silhueta já não fosse mais do que um campo florido de Junho? E se essa silhueta chorar e te disser que te ama? E se? E se? E se? Muitos “ses”, uma só certeza: Ora Cogan

Shadowland, estreia dia 6 de Maio, novo registo de originais desta canadiana de fino recorte é um pouco de todos aqueles “ses”. É encantamento primário (sim, a sua música parece-nos a mulher mais bela que alguma vez vimos), é sedução, é tragédia mas também é todo o seu contrário. Luminoso, gracioso, esperançoso até, se o quisermos. Esta canadiana e a sua voz embalada por guitarras “que não querem incomodar” com a bateria a olhar de soslaio num ritmo, por vezes, pesaroso (a querer marcar o sentimento), noutras, leve como a folha que se desprende da árvore ao sopro gentil de uma brisa são uma enormidade de sensações em direcção ao canto soturno onde dorme o sonhador apaixonado que habita cada um de nós.

Do “bom terrorífico” “Ground and Grave” à mirifica “From the Stars”, bela e terna, passando pela generosa “Ruler Of My Heart” até “Into the Blue”, décima do alinhamento de 11 que fecha com o quase falso lamento “Hurts to be Alone”, este Shadowland, de matriz psych-folk, deixa marca através da beleza lenta com que carbura imagens e as metamorfoseia em som.

Mas recuemos até “Ruler Of My Heart”, single segundo da contagem decrescente em direcção ao “Grande Oriente” chamado Shadowland. Música embalo com a marca registada Irma Thomas, “queen” da soul de Nova Orleães, aqui, estupendamente recriada por Ora num registo de “fazer as chorar as pedras da calçada” na mais escura das noites do coração onde ela, a canadiana, reclama em grito contido um “I wait patiently, my heart cries out, the pain inside, where can you be, I wait patiently” para, de seguida expelir-se em comoção com “me a queen, happy again, hear my cries”que, em três minutos e três segundos, nos atira ao ar qualquer convicção ou estado de espírito que possamos ter até esse momento.

E se, “Ruler Of My Heart”, é a doença chamada amor a bater com toda a força, “From the Stars” vem com a sua sonoridade a fugir para o dreamy de toque melancólico, nos primeiros momentos, levar as coisas a um patamar diferente. Agora estamos no campo da bipolaridade. Desses primeiros, e breves, instantes de candura passamos, em pouco tempo, a uma quase discussão “feiinha”, com uma Ora Cogan a “prometer” todo o amor do mundo e arredores com uma mão e a retirá-lo com a outra no momento seguinte: “Are you really hers now? Will I always play the clown? My heart is an alarm tolling a loss so great ,The seas will rise”, assim o canta e melhor o sente até ao fim.

Fim assinalado com “Hurts to be Alone”,canção de “boa noite” que gira entre o naive e o cínico, embalada pelo som da voz e guitarra de Ora Cogan num jeito, simultaneamente terno e traquina, quase como se dissesse: “se atravessares uma auta-estrada em hora de ponta serás atropelada”.

Não sei quantos corações Ora já partiu ou quantas vezes já partiram a “máquina de carne que sangra” dela, mas o certo é que depois da sua passagem por Portugal e da audição deste álbum, muitos irão chorar por mais.


Fernando Gonçalves
f.guimaraesgoncalves@gmail.com
27/04/2016