Inspirada na deusa dos rios e da água da mitologia galaicolusitana, Emmy Curl (que se mostrou à música em 2010, numa compilação de novos talentos da FNAC) traz-nos músicas doces, envoltas de mística e ambiência onírica a partir dessa figura mitológica que deu o nome ao rio Neiva. O tema mais presente nas letras (e naquilo que sugere o trabalho instrumental) é mesmo o sonho e esse ambiente onírico onde vive a música da jovem transmontana, que tão bem coincide com a viagem dessa deusa, numa caravela rio abaixo.
E se a "travessia aquática" não era já óbvia depois de se olhar para a capa do primeiro longa duração da autora, o primeiro tema, “Dreams Made This Boat”, deixa a associação ao mar e a uma viagem bem evidentes. Uma entrada suave, com melodia doce e que introduz quem ouve o disco à atmosfera peculiar que vai encontrar.
A voz de emmy Curl em português, uma raridade, tem outro som, mas o mesmo mel associado. “Volto Na Primavera” tem tanto de doce (sempre o doce) como de místico, numa faixa de cenário onírico (como, de resto, muito deste “Navia”). “Eurídice” mantém o clima e sublinha a qualidade dos arranjos instrumentais do álbum, que fazem ressaltar perfeitamente a voz de Emmy e ainda dão espaço à imaginação, que completa com sons próprios dos ambientes evocados. Esses sons que aparecem mesmo em “The Arrival”, um fecho simbólico para o álbum (e para o Neiva, talvez) feito com as ondas do mar, a foz de um trabalho musical que mostra uma maturidade fora do comum para uma carreira ainda tão jovem. E apesar do ambiente místico, há espaço para a dança e temas mais libertos da ambiência do trabalho como um todo. “Sandstorm” é facilmente dançável e diferente da generalidade dos outros temas.
Ainda assim, a melhor de todas as faixas de Navia é mesmo “Like The Rain”. É aqui que sobressai a capacidade de emmy Curl no arranjo, na letra e na voz. Um registo que combina várias sonoridades sem perder um apurado sentido harmónico, com um instrumental sublime e uma letra tão enquadrada na ambiência do álbum como solta o suficiente para deixar os mais atentos a voar pelos vários significados. E se em “Volto na Primavera” emmy quer “sobrevoar entre a chuva” enquanto está a “pensar na Primavera”, aqui a intenção é aproximar-se da chuva pela imensidão de sensações. Restantes interpretações são com cada um, mas fica a nota: “Like The Rain” sobressai por cima do resto, ainda que o resto já seja, de si, um registo muito sólido.
Pelo meio, há “Come Closer”, que foi o single de avanço e que tão bem foi recebido pelo público. Percebe-se porquê, com a electrónica a sobrepor-se e com um refrão mais fácil de relembrar. “Amory” foi o segundo single a sair do álbum e contrasta com o primeiro: a guitarra predomina com a voz etérea da transmontana, talvez menos catchy mas a denotar mais trabalho no arranjo.
Com 26 anos, a estreia chega depois de dois EPs bem recebidos. Os caracóis ruivos vão agora começar a aparecer pelo país para dar a conhecer um ambiente muito próprio que junta a melodia acústica à electrónica (mas muito ao de leve...), raramente nas mesmas faixas mas de forma harmoniosa num fantástico trabalho de estreia. Catarina Miranda, nome com que nasceu, queria “romper as amarras” com este disco para partir para novas aventuras. Se assim é, como a deusa Navia, então tem as mãos firmes ao leme da caravela que lançou ao rio.