bodyspace.net


CHVRCHES Every Open Eye

2015


Se do alto destas igrejas, pelo menos quatro décadas de synth-pop nos contemplam, a diferença está no facto de não olharem para ”Every Open Eye” de cima para baixo. Como já acontecia com o fantástico álbum de estreia, ”The Bones Of What You Believe”, os Chvrches merecem ser olhados, pelo menos, olhos-nos-olhos. E com óculos protectores, para que o observador não seja apanhado pelos detritos levantados pelo turbilhão que a voz de Lauren Mayberry, e as melodias e percussões sintéticas de Iain Cook e Martin Doherty, causam. Os escoceses podem pertencer a uma linhagem. Mas sabem que respeitá-la é deixá-la sair, respirar ar puro, conhecer novos companheiros.

A pop dos Chvrches vive apoiada sobre três bases fortíssimas. Primeiro, a voz de Lauren Mayberry. Voz aguda, de fonte luminosa criada por raios laser, transporta as melodias por zonas de ar rarefeito, fazendo-nos acreditar que poderia ter o mesmo efeito no fundo de uma qualquer fossa abissal marítima. O impacto que causa, sobretudo nos refrões, desafia a resistência de qualquer crash test dummy. Segundo, a forma como os sintetizadores e samplers, mais do que controlarem ou definirem o caminho, marcam-no com tochas sinalizadoras. Ao invés de, simplesmente, criar melodias, criam mantras, padrões. Terceiro, as percussões. Embora de ritmos tudo menos complicados, estão gravadas em alto volume, tão chegadas à frente quanto os dois elementos anteriores. O que corresponde bem ao desejo da banda de serem vistos como tal, e não como Lauren + 2.

Por sobre as bases, está, como podem adivinhar, outra parte fulcral. As canções. Quase todas elas construções imaculadas, de brilho inoxidável. Digo “quase”, porque quando é Martin Doherty a cantar, em “High Enough To Carry You Over”, o seu tom aparentado de cantor de boy band não está ao nível das companheiras. Em compensação, “Never Ending Circles”, “Keep You On My Side” ou “Empty Threat” são vitoriosas, como uma celebração de um golo. “Make Them Gold” é Bat For Lashes anfetaminada. “Clearest Blue” tem aquela parte de sintetizador que é “Just Can’t Get Enough” chapada, mas criando um invólucro de beleza futurista gélida, em redor de tal texto sagrado. “Afterglow” é parente menos pecadora das baladas de Martin Gore em ”Songs Of Faith And Devotion”.

Como “surpresa” final, registe-se que este nem é um álbum do que habitualmente se chama “Para dançar”. A maior parte das músicas são apenas um pouco mais rápidas que o midtempo. E nem pensem em esperar por explosões, drops, ou o camandro. As letras andam à volta, maioritariamente, dir-se-ia, de relações sentimentais com problemas, nunca recorrendo a slogans. A pop dos Chvrches é um maravilhoso paradoxo. Evita muita coisa óbvia, e ao mesmo tempo conquista-nos de forma igualmente óbvia. Só que é o SEU óbvio. E antes deles, ninguém o tinha concretizado de maneira tão perfeita.


Nuno Proença
nunoproenca@gmail.com
09/11/2015