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The Sonics This Is The Sonics

2015


Pedir respeito pelos Sonics é redundante; se há banda que é respeitada há décadas, são eles. Autores de discos maravilhosos, e históricos, como Here Are The Sonics e Boom, padrinhos de todo um punk que nasceu posteriormente à passagem do seu furacão por terras do Tio Sam e monarcas inquestionáveis e absolutos do garage rock, os Sonics deixaram no mundo um legado que por vezes temos tendência para esquecer. Dos Cramps aos Fall, de Ty Segall a King Khan, dos ácidos anos sessenta à intercomunicação do século XXI, o quinteto de Washington tem estado sempre presente, como o Satanás de "Sympathy For The Devil": pleased to meet you, hope you guess my name...

Pois agora ei-los de regresso, como se não quisessem que nos esquecêssemos deles (não era preciso - concertos como aquele na Casa da Música não se esquecem facilmente), dispostos a, uma vez mais, tirar o pó às guitarras e dar ao público aquilo que este quer: a salvação por via de uma guitarra eléctrica. E não vale a pena dizerem de forma blasé que não estão pasmados com o facto de que This Is The Sonics é o primeiro disco que os norte-americanos editam num espaço de quarenta anos, o que provavelmente deve ter batido algum recorde. E, já agora, estão também autorizados a pasmarem-se com a qualidade deste que é "apenas" o terceiro disco dos Sonics (desconte-se Introducing The Sonics, de 1967, compilação que foi renegada pela banda, e Sinderella, de 1980, em que dos membros originais apenas Gerry Roslie restava).

Não entremos neste disco com ilusões. Os Sonics não alteraram radicalmente a sua paleta de sons, nem se abriram a novas e variadas influências no campo do rock n' roll, ou mesmo fora dele. Tão pouco injectaram canções antigas de vitalidade, mesmo que a isso soe This Is The Sonics; não se trata de sangue novo mas sim do mesmo sangue de sempre, que ferve sob o fuzz e que prova que o quinteto nunca perdeu a sua força, nem quando passou a idade da reforma. Outros teriam desistido de tudo, passado o resto dos dias a recolher cheques com valores irrisórios que pudessem pagar um maço de tabaco e um copo de tinto durante uma suecada. Para os pré-punks, isso teria sido demasiado fácil; é muito mais divertido, e até mais belo, pela lição de vida que demonstra, continuar a viver como se a juventude fosse eterna.

São então estes os Sonics em 2015: uma canção de Ray Charles logo a abrir - "I Don't Need No Doctor" - que é um portento de rock n' roll clássico, completo com piano e saxofone e um volume inacreditável; elogie-se, também, o trabalho de produção de Jim Diamond, que também sabe uma coisinha ou outra sobre isto do garage rock por via da sua experiência nos Dirtbombs. "Be A Woman" traz de novo aquela guitarra demoníaca, psicadélica antes de se inventar o termo, um rastilho prestes a fazer rebentar uma bomba de grandes dimensões; "Bad Betty", a primeira das canções originais, e não versões, que por aqui se escutam - certamente não uma "Strychnine", mas não menos boa por isso. O caos prossegue ao longo de uma meia-hora que tem tanto de divertido como de perigoso, pois se um quinteto com uma média de idades a rondar os setenta anos é capaz de se entregar a desvarios destes, tenham medo, muito medo. É que eles não vieram para ensinar os mais novos, mas sim para os expulsar da escola.


Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com
14/07/2015