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The Vaselines V For Vaselines

2014


Não é mentira nenhuma que, se falamos ainda dos Vaselines em 2014, é exclusivamente culpa de um só homem: o malogrado Kurt Cobain. Foi ele que, tanto com os Nirvana (através de versões de "Molly's Lips" e da fantástica "Jesus Wants Me For A Sunbeam") como através do gosto que tinha por partilhar com o mundo toda a música que amava, fez com que os holofotes da "fama" caíssem sobre o grupo de Glasgow, atordoando-os ao ponto de anunciarem uma reunião em 1990 - formaram-se em 1986 e cessaram actividades três anos depois - apenas e só para abrirem um concerto da banda norte-americana.

E se os Vaselines muito devem a Cobain, também nós devemos algo aos Vaselines - a fusão maravilhosa entre twee e folk, o rock alternativo de nuvem sobre a cabeça, um punhado de grandes canções que, felizmente, não ficou perdida na memória colectiva. Acaso tivessem sido descobertos hoje, no meio do processo arqueológico e retromaníaco, ninguém teria a supracitada "Jesus..." como uma das canções da sua vida; e os Vaselines poderiam eventualmente reunir-se, dar uma série de concertos, mas depressa regressariam a um estatuto de meras peças de museu.

Nada disso aconteceu. Reuniram-se muito mais tarde do que o que deveriam, é certo, mas trilharam o seu próprio percurso, ao seu próprio ritmo. Se os primeiros EPs e o primeiro álbum foram redescobertos através da magia da reedição, Sex With An X, de 2010, voltou a conceder-lhes o estatuto de songwriters com verdadeiramente algo a dizer, por oposição ao vácuo. V For Vaselines surge-nos quatro anos depois desse disco, título que afirma sobretudo o estatuto dos escoceses enquanto fazedores de canções melódicas, gostosas, ideais para qualquer estado do tempo. Power pop sem merdas, claro.

V For Vaselines são dez canções entre o óptimo e o bom, dez canções que estavam escondidas nos dedos do duo e que vêem a luz do dia exactamente quando o teriam que o fazer. Não está em causa o passado, não se pensa já no futuro; existe a charmosa "High Tide Low Tide", grito punk onde o chilrear das guitarras nos devolve à adolescência em tons de salto, existe "The Lonely LP", tão orelhuda que nem merece que lhe apontemos de volta os anos noventa, existe "Last Half Hour" e o repescar habitual ao som da bateria de "Be My Baby". E existe, sobretudo, uma banda que existe por si própria, sem se preocupar com o mundo acelerado que a rodeia e que ameaça sugá-la para o seu interior. Os Vaselines preferem parar para respirar; enquanto continuarem a escrever canções assim, parem o tempo que quiserem.


Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com
03/12/2014