Enquanto os Tosca se esforçam como atletas – com o seu novo (e entediante) Outta Here – a correr na passadeira rolante, nunca saindo do mesmo lugar – por mais que se esforcem, a coisa já deu o que tinha a dar! –, os Skalpel ressuscitam do nada em 2014, nove anos depois do último de originais, Konfusion, supostamente com novo ímpeto. A comparação Tosca e Skalpel não será um mero acaso neste momento, apesar dos dois projectos distarem entre si espiritualmente. O porquê de ambos espelharem neste instante? A edição de um novo álbum na mesma altura; e ambos representarem a ideia de um género, deliciosamente inventivo, e ambíguo, há 10 ou 15 anos, que agora conformou-se à nostalgia da nostalgia; simpático eufemismo para repetibilidade como falência criativa.
Comparando a prática na segunda metade da década de 90 – no que a manipulação de samplers diz respeito –, não se pode dizer que a proficiência nos nossos dias tenha evoluído significativamente em termos criativos; tornou-se sofisticada, concedo isso. O downtempo (chamemos-lhe isso para que haja uma localização imediata) foi na era um exímio campo de experimentação estilística da samplagem soul/ jazz, que teve talvez o seu expoente máximo artístico com as duplas Kruder & Dorfmaister e Thivery Corporation (alguém ainda se lembra porque se chamava o disco de estreia destes senhores Sounds from the Thievery Hi-Fi?), e que no início do milénio entrou catastroficamente num arrepiante interregno. O que parecia inesgotável, secou! O pouco que sobreviveu, tornou-se em erva daninha.
Dois bastiões têm resistido simpaticamente num escalão (mais ou menos) mediático: Tosca e Thivery Corporation. Os dois com os resultados complacentes, no melhor: o velho historial tem permitido a sobrevivência, nem por isso a relevância; o mais do mesmo, manobrado por golpes estéreis – inventores que se resignaram e optaram pelo reconfortante status quo –, saturou a tolerância.
Nove anos depois do último álbum de originais, o que dizer da dupla polaca Skalpel? Admirados pelo inesperado interesse da Ninja Tune num projecto que partilhava com Jason Swinscoe (The Cinematic Orchestra, o disco Motion de 1999) o mesmo gosto pela bricolage jazz, espevitadora de ambiências cinematográficas imaginárias, que tinham como reais geradores a samplagem artística e um paradigma electrónico em conluio frutuoso com formas abstractas de hip-hop, Marcin Cichy e Igor “Boxx” Pudlo, apesar da passagem do tempo, decidiram manter a fidelidade na escalpelizarão do passado, o seu e a da história da sua nação. O regresso da dupla não se dista significativamente do impasse em que os Tosca ou os Thivery Corporation se atulharam. Sim! Apesar da produção impecável, estudada, imaculada, brunida, resta ao melómano a contemplação serena de uma paisagem absolutamente familiar.
A verdadeira diferença (atenuadora?) é que os Skalpel editam agora o terceiro álbum de originais enquanto os outros senhores se adiantaram numa produção (demasiado) regular, e impressionantemente redundante!
Olhar, escutar Transit, antes de atravessar, é como contemplar um eco no espelho. Reconhecemos tudo como se estivéssemos a revisitar uma velha exposição: a promiscuidade entre a electrónica, o hip-hop em câmara lenta, as reminiscências house remexidas pela especulação, o possante temperamento jazz – sejam as memórias da libertinagem ideológica da Polónia constrangida pelo sufoco soviético durante a Guerra Fria ou a consequência do sopro de liberdade que a queda do Muro de Berlim trouxe a espíritos encorreados.