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clipping. CLPPNG

2014
Sub Pop


Escrevíamos o ano passado, aquando do lançamento de midcity, a mixtape de estreia do trio de Los Angeles: «resta-nos esperar que a Sub Pop não os estrague». E se é verdade que existe dedo óbvio da editora em CLPNNG, já que este disco do grupo é bastante menos abrasivo e muito mais soft em termos sónicos do que aquilo que era a explosão noise de midcity, não menos verdade é que os mesmos não foram arruinados - longe disso! - pela ingerência dos homens de gravata que, sim senhor, apostam naquilo que está "à margem" mas procuram ao mesmo tempo o apelo (e os dólares) das massas ainda dispostas a comprar discos. Muito sucintamente: os clipping. não são os Death Grips versão 2.0, nem este é o seu aborrecidíssimo Government Plates.

CLPPNG é um daqueles discos capazes de redefinir aquilo que é comummente considerado hip-hop. De certa forma, o trio é para o género aquilo que os Shellac são para o rock, um osso descarnado e afiado preso no centro e imune a interferências. Os riffs de Steve Albini são os versos e os beats dos clipping., o hip-hop reduzido à sua essência de rua - um tipo a versejar e alguém a fazer ruídos estranhos com a boca. O resultado, algo de genuíno e empolgante, vicioso e viciante, uma série de grandes canções que nos fazem perguntar porque caralho é que Portugal é tão avesso ao hip-hop seja ele mais ou menos experimental - já mereciam uma vinda, os meninos.

O disco em si: "Body And Blood", batida industrialo-demoníaca para fazer qualquer cyberpunk pensar naquilo que está a fazer à sua vida enquanto ouve Skinny Puppy em 2014, seguida de "Work Work" e "Summertime", com um gancho de fazer inveja a todo e qualquer rapper MTV que se preze. Tal como no rock a velocidade tem *aquele* peso, as palavras são aqui pronunciadas de forma dura e acelerada, o rapper (Daveed Diggs) como que fugindo ao rap em si. «Ritmo, Amor e Palavras»? A julgar pelas temáticas, o amor não existe. O ritmo, esse, é praticamente abandonado em nome da energia, do suor. Ficam as palavras, a voz como um instrumento dentro dos instrumentos. E outro gancho fantástico, em "Tonight", antes de inventarem o noise-R&B em "Get Up", regressarem às origens em "Inside Out" e assinarem uma belíssima canção - como o são todas as que metem coros de crianças - em "Dominoes". Não é um disco de hip-hop para quem cresceu com o rock; é um disco de rock para toda a gente que gosta de ruído. Ou o disco que Steven Stapleton gostaria de ter feito.


Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com
15/04/2014