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Rodrigo Amarante Cavalo

2013


Às primeiras audições percebemos, quase como que por instinto, que existe aqui algo mais do que boa música: é mais do que um lamento, mais do que o último suspiro de um coração moribundo, uma exponenciada melancolia que ressoa nos quase-sussurros, guitarra e piano de Rodrigo Amarante neste que é o seu primeiro disco a solo pós-Los Hermanos, mas toda ela vestindo o jeitinho brasileiro de sorrir e prosseguir, tal como "A Felicidade" é na realidade um samba alegre apesar dos versos de Vinicius de Moraes. Servindo-se das melhores lições que a tropicália ensinou, Amarante constrói canções ricas e poéticas, a banda-sonora de um homem que passa largas horas a olhar para uma única fotografia na parede, imerso na sua solidão...

São as canções dos apaixonados e sonhadores, dos sôfregos e sofredores; são as canções de quem sabe que o amor tem de partir mas que por agora existirá sobretudo a tristeza. Depois, como quem muda o disco, mudará o amor. Assim sempre foi, assim sempre será. E que canções: o suave assobio de "Nada Em Vão", onde se detecta uma notável influência do pós-punk (relembra sobretudo o som esparso dos Young Marble Giants), o rock contemporâneo de "Hourglass", batida dançável e linha de baixo gingona, a folk triste de "Mon Nom" - poliglotismo poético e musical em apenas três canções, as mesmas três com que o disco abre.

Chamar-lhe diplomata ou inserir o cliché de cidadão do mundo parece ser demasiado fácil para descrever Rodrigo Amarante. Contudo, quando se escrevem canções assim é difícil não querer elevá-lo a um estatuto superior que perpasse as fronteiras que a humanidade construiu com régua e esquadro, é um insulto não apelidá-lo de génio, é uma ignomínia brutal não escutar estas onze canções tantas vezes quantas consigamos, pese a tristeza e o mal de amar. "Irene" (saudade, eu te matei de fome, de tarde eu te enterrei com a mágoa... se isto não é lindíssimo, nada o é), "Maná" em modo sambinha e a apoteose da lágrima com "I'm Ready", canção que aparenta ser sobre a morte mas que na realidade terá o significado que cada um lhe queira dar: um disco tão pessoal assim só poderá ser recebido de forma igualmente pessoal. Cavalo não é de Rodrigo Amarante, é de todos nós.


Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com
04/12/2013