Embora os Sonic Youth nunca tenham sido apanhados em condições de serem conotados como banda “adolescente” para justificar qualquer tipo de irreverência, a verdade é que foi sobre boas doses de rebeldia criativa e intensidade decibélica que se foi construindo o seu culto. Fruto do amadurecimento e da própria evolução das correntes que os mesmos Sonic Youth ajudaram a definir enquanto icones da transição 80-90 do outro lado do Atlântico e não só, chega o momento em que o ímpeto vão é aniquilado à nascença e a impetuosidade colocada ao serviço de objectivos maiores.
Abra-se o booklet de Washing Machine e encontre-se o ambiente-tipo da pacata família norte-americana: a casa e respectivo bricolage, o assador no jardim, o cesto de basket, os filhos. Não, eles não se tornaram caretas nem o são hoje, quase nove anos depois.
Washing Machine aparece um ano depois de Experimental Jet Set, Trash & No Star como antídoto para o burburinho acerca de um eventual esgotar de ideias ventilado pela decepção geral que havia sido o disco de 1994. Traz consigo a Kim Gordon do costume, insinuante em “Becuz” e intratável em “Washing Machine” ou “Panty Lies”, o respirar ofegante e entoação quase carnal, enclausurada na sua eterna adolescência, e a dinâmica quase simbiótica entre as guitarras de Thurston Moore e Lee Ranaldo que escoa “Saucer-Like” e “No Queen Blues”.
Se “Junkie’s Promise” testemunha o quão perto ainda se estava da morte do companheiro Kurt Cobain (I heard you said "you know I hate myself but I love everybody else", and did you say "I can't escape myself"? And then you did, and now there's no one else to blame), “Unwind” surpreende pela candura, quase tanto como o longo épico que fecha o disco, “The Diamond Sea” – a paternidade tem mesmo muito que se lhe diga, e Thurston Moore e Kim Gordon, babados que estavam, não o conseguiam esconder. Embora também angelical, “Little Trouble Girl” já tem muito mais a ver com o (forçado) ar virginal empregue por Gordon, coadjuvada pela Breeder Kim Deal. “Skip Tracer” é o sprint final de uns corredores de fundo que passaram uma hora a gerir a corrida a ritmo elevado, e reclama para si um conceito de canção diverso, uma espécie de spoken word uniformemente acelerado por uma viagem de montanha russa.
"Hello, 2015", diz Lee Ranaldo assinando uma viragem no admirável trajecto dos Sonic Youth. Continua a percorrer estradas de ruído e rebeldia, dissonância e distorção, mas numa espécie de caos ordenado onde já não há lugar para a agressão; a libertação do improviso surge de uma filtragem depuradora, embora o arame ainda seja cortante. Tudo isto conservando a ambivalência natural arty-rock que se confunde com Sonic Youth, no melhor disco dos nova-iorquinos desde Daydream Nation até então.